terça-feira, 19 de outubro de 2010

Candomblé Jeje

Candomblé Jeje, é o candomblé que cultua os Voduns do Reino de Dahomey levados para o Brasil pelos africanos escravizados em várias regiões da África Ocidental e África Central. Essas divindades são da rica, complexa e elevada Mitologia Fon. Os vários grupos étnicos - como fon, ewe, fanti, ashanti, mina - ao chegarem no Brasil, eram chamados djedje (do yoruba ajeji, 'estrangeiro, estranho'), designação que os yoruba, no Daomé atribuíam aos povos vizinhos, Introduziram o seu culto em Salvador, Cachoeira e São Felix, na Bahia, em São Luís, no Maranhão, e, posteriormente, em vários outros estados do Brasil.

Assim, como os Nagôs ou yorubas, os Jejes língua ewe, língua fon, língua mina e os fanti ashantis, formam grupos sudaneses que englobam a África Ocidental hoje denominada de Nigéria,Gana, Benin e Togo. Sua entrada no Brasil ocorreu em meados do século XVII.
A palavra djedje (jeje) recebeu uma conotação pejorativa, como “inimigo”, por parte dos povos conquistados pelos reis de Dahomey. Quando os conquistadores eram avistados pelos nativos de uma aldeia, muitos gritavam dando o alarme “Pou okan, djedje hum wa!” ("Olhem, os jejes estão chegando!).
Quando os primeiros daomeanos chegaram ao Brasil como escravos, aqueles que já estavam aqui reconheceram o inimigo e gritaram “Pou okan, djedje hum wa!”; e assim ficou conhecido o culto dos Voduns no Brasil ou Nação Jeje.

Dentre os daomeanos escravizados, uma mulher chamada Ludovina Pessoa, natural da cidade Mahi [pron. marri], foi escolhida pelos Voduns para fundar três templos na Bahia. Ela fundou:
  • um templo para Dan; Kwé Cejá Hundé, mais conhecido como a Roça do Ventura ou Pó Zehen [pó zerrêm] de Jeje Mahi, em Cachoeira e São Felix;
  • um templo para Heviossô Zoogodo Bogun Male Hundô Terreiro do Bogum, em Salvador;
  • um templo para Ajunsun, que não se sabe por que não foi efetivamente criado. Esse é o segmento Jeje Mahi do povo Fon.
O templo de Ajunsun-Sakpata foi criado mais tarde pela africana Gaiaku Satu, em salvador e recebeu o nome mais conhecido por Cacunda de Yayá, que tem como sua representante a iyalorixá Maria de Lourdes Buana (Iyá Ominibu Kafae foobá), filha de Mãe Tança de Nanã (Jaoci), que era filha de Gaiaku Satu.A Cacunda de YáYá funcionou muitos anos no bairro da "Sussuarana" em Salvador, onde tiveram que se deslocar do lugar original pela construção da rodovia, onde foram indenizados pelo governo bahiano, e foram se instalar na parte mais alta do terreno, que dizem ser tão grande que não sabiam a dimensão exata, tinha mata, fontes, riachos, tudo no terreno da Cacunda.
Dona Lourdes, tem roça em Salvador, no Bairro Cabrito, e também em Nilópolis, no Rio de Janeiro, funcionando com toda a força, apesar de seus quase 80 anos, e marcando sua tradição no Kwe Foobá, com diversos descendentes do Jeje Savalu.
São os Jeje Savalu ou Savaluno. Sakpata era rei da cidade de Savalu na África, segundo alguns historiadores, e foi o único rei que preferiu o exílio a se render aos conquistadores do Daomé. O dialeto dos savalus também é o Fon.
Na Rua do Curuzu, no bairro da Liberdade, em Salvador, Amilton de Sogbo segue a luta pela preservação da tradição do Jeje Savalu, na condição de Doté, à frente do Kwe Vodun Zo (Templo do Vodun/Espírito do Fogo). Amilton é descendente espiritual da Cacunda de Yayá, onde teve o seu nascimento para zelar do Panteão Savaluno, pelas mãos de Jaoci Mãe Tança de Nanã.

No Maranhão encontramos a Casa das Minas, fundada por Maria Jesuína, segundo informação de Sergio Ferretti. É com certeza a mais conhecida casa de jeje do Brasil. Esse é o segmento do povo Jeje Mina.
Ainda no Maranhão encontramos a Casa Fanti Ashanti fundada por Euclides Menezes Ferreira (Talabian). Esse é o segmento jeje Fanti-Ashanti do povo Akan vindo de Ghana, que inicialmente teria ligações com o Sítio de Pai Adão, da Nação Nagô-Egbá.

No Rio de Janeiro, foi fundado pela africana Gaiaku Rosena, natural de Allada, o Terreiro do Kpodabá no bairro da Saúde, que foi herdado por sua filha Adelaide São Martinho do Espírito Santo, também conhecida como Ontinha de Oiá (Oya Devodê), mais conhecida como Mejitó, que transferiu a casa de santo para o bairro Coelho da Rocha, e esse axé foi herdado por Glorinha Toqüeno, com terreiro no bairro de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. O Kpodabá é a casa matriz , mas deixou ramificações, como o Kwesinfá fundado em Agostinho Porto, por Natalina de Aziri (Ezintoede) tendo como herdeira Helena de Bessem que transferiu o axé para Parque Paulista, em Duque de Caxias, hoje Filha de Santo de Glorinha Tokuenu. Tendo ramificações do Axé em Brasilia, fundado pelo sacerdote Rui D'Osaguian filho de Natalina de Aziri. Em Manaus/Amazonas o kwensinfá teve sua ramificação através do Babalorixá Edmilson D´Oxossi, filho do sacerdote Rui D´Osaguian.
Depois veio Antonio Pinto de Oliveira. Tata Fomotinho que fundou o Kwe Ceja Nassó, no bairro de Santo Cristo, depois mudou-se para Madureira na Estrada do Portela, depois para São João de Meriti onde finalmente se estabeleceu na Rua Paraíba.
Dizem os mais velhos, que Mejitó, ajudou muito Tata Fomotinho no começo de sua vida de santo no Rio de Janeiro.
Ele deixou uma legião de filhos, netos e bisnetos. Dentre esses, Jorge de Iemanjá que fundou o Kwe Ceja Tessi, Pai Zézinho da Boa Viagem que fundou o Terreiro de Nossa Senhora dos Navegantes, Tia Belinha que fundou a Colina de Oxosse e Amaro de Xangô.
Ressaltamos ainda, a importância do Jeje Mahi quanto ao Vodun Azunsun ou Ajunsun - Azônce Sakpatá. [Todos os Voduns, pertencentes ao panteão de Sakpatá, são da família Dambirá. Nesse panteão temos vários Voduns. O mais velho que se tem notícia é Toy Akossu, no transe, ele se mantém deitado na azan (esteira). Dizem os mais velhos, que Toy Akossu é o patrono dos cientistas, ele lhes dá inspirações para a descoberta das fórmulas mágicas que curarão as doenças e as pestes. Ele é a própria "doença e cura", como também um excelente conselheiro.]
Andréia Camargo conhecida como Andreia de Montecatini tinha sua roça em Campo Grande no Rio de Janeiro. Foi iniciada por Alberto de Oxumare - Secigenan, na época seu avô de santo pai de sua Yatemi Cleia de Oba. Anos mais tarde tornou-se filha de Mae Dalva T' Obaluae conhecida como dofonitinha, filha do Rei do Jeje no Brasil pai Zézinho da Boa Viagem. Mae Dalva tinha sua roça em Magalhaes Bastos. Anos após mãe Andréia fundou o asé Kwe Ceja Dan Gbèsèn na Italia na cidade de Montecatini motivo pelo qual vem sopranominada de Andréia de Montecatini.


Pai Vavá de Bessém era da nação Jeje Savalu de Cachoeira de São Félix iniciado aos 3 anos como era comum na época, quando jovem foi para Salvador onde teve um terreiro de candomblé e viveu por muitos anos, depois foi morar no Rio de Janeiro e por último em São Paulo onde morou até morrer.

Os Voduns no Jeje são basicamente os da Mitologia Ewe e Fon.
  • Dangbé,O Dangbé é a serpente sagrada que representa o espírito de Vodum Dan.
  • Mawu é o Ser Supremo dos povos Ewe e Fon.
  • Lissá, que é masculino, e também co-responsável pela Criação.
  • Loko, É o primogênito dos voduns.dono da joia de mahi que e o rungbe
  • Gu, Vodun dos metais, guerra, fogo, e tecnologia.
  • Heviossô, Vodun que comanda os raios e relâmpagos.
  • Sakpatá, Vodun da varíola.
  • Dan, Vodun da riqueza, representado pela serpente do arco-íris.
  • Agué, Vodun da caça e protetor das florestas.
  • Agbê, Vodun dono dos mares.
  • Ayizan, Vodun feminino dona da crosta terrestre e dos mercados.
  • Agassu, Vodun que representa a linhagem real do Reino do Dahomey.
  • Aguê, Vodun que representa a terra firme.
  • Legba, O caçula de Mawu e Lissá, e representa as entradas e saídas e a sexualidade.
  • Fa , Vodun da adivinhação e do destino.
  • Aziri , vodun das águas doces.
  • Possun , vodun do po e da terra seca representado pelo tigre.
  • Bessem, É o dono das águas doces em Abomey e Ouidah, do qual é patrono.
  • Sogbô, Vodun do trovão da família de Heviossô.
  • Tobossi, Naê ou Mami Wata, são todas as Voduns femininas das ezins jeçuçu, jevivi e salobres.
  • Nanã, Vodun considera por todos os adeptos do Culto Vodun como a grande Mãe Universal.
Na Nação Jeje existe a necessidade do poço (se não existir uma nascente nas terras), o ideal é um sítio com nascente, mata natural, plantas e animais.
Infelizmente nas casas urbanas isto já não é tão possível, pois as Casas cada vez mais diminuem de tamanho. Mas ainda assim toda casa Jeje deverá ter pelo menos um poço, um local reservado exclusivamente para as plantas e árvores necessárias ao culto, que chamamos "kpamahin", e alguns animais que são muito importantes no culto.
Voduns não usam roupas luxuosas não gostam de roupas de festa e geralmente preferem a boa e velha roupa de ração. As danças são cadenciadas em um ritmo mais denso e pesado.
Os Voduns estão sempre de olhos abertos e salvo algumas exceções, conversam (usando preferencialmente um dialeto próprio) e dão conselhos a quem os procura. Informação de Doté Dorivaldo.
A iniciação ao culto dos voduns é complexa, longa e pode envolver longas caminhadas a santuários e mercados e períodos de reclusão dentro do convento ou terreiro hunkpame, que podem chegar a durar um ano, onde os neófitos são submetidos à uma dura rotina de danças, preces, aprendizagem de línguas sagradas e votos de segredo e obediência.

Hierarquia
  • Bokonon - Sacerdote do Vodun Fa equivalente ao Babalawo
  • Doté Sacerdotes (homens) da família de Sogbô e Doné Sacerdotisas (mulheres) esse título é usado no Terreiro do Bogum onde também são usados os títulos Gaiaku e Mejitó.
  • Noche - Sacerdotisas do Jeje-Mina
  • Vodunsi - após 1 ano da iniciação.
  • Kajekaji - iniciado que ainda não completou o ciclo de obrigações.
Ahureté- ahé = termo usado para pessoas nao iniciadas, o mesmo que abian dos yoruba.
Curiosidades: Tasén = cerimonia equivalente ao bori dos yoruba.
Hundote (rundote) = O mesmo que abiasé dos yorubas, quando a mae é iniciada com o filho no ventre, esse filho se torna um hundote.
Ahehun (Arerrum) = o mesmo que yao.
Ahuretè- ahè ( arrurete, arre ) = termo usado para pessoas nao iniciadas, o mesmo que abian dos yoruba.
Adla' = o mesmo que ebo' dos yoruba.
Azan = o mesmo que mariow dos yorubas. agrala = o mesmo que pade dos yoruba. ta', ita' = o mesmo que ori dos yoruba. hundeme= ronco mlam mlam = rezas dope= o mesmo que pao' aban= prato abaman= caneca abieé = o mesmo que ago, perdao odohozan ( odorozan)= o mesmo que xire dos yoruba.
Durozan= despachar

 

Referências 

  1. Site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Candombl%C3%A9_Jeje
  2. CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de cultos afro-brasileiros.
  • "Mana Jeje: repensando nações e transnacionalismo", por J. Lorand Matory.








sábado, 16 de outubro de 2010

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 9


acervo fotográfico e etnográfico, criou a Fundação Pierre Verger, cuja sede passou a ser sua própria
residência e onde se encontram 62.000 negativos, 2.800 livros, milhares de documentos, 130 horas de
gravações e 107 objetos etnográficos, disponíveis ao público6.
Em 6 de fevereiro de 1996, Verger, aos 94 anos de idade, concedeu uma entrevista ao fotógrafo
baiano Mário Cravo Neto e no dia 10 desse mês concedeu outra, conduzida pelo cantor Gilberto Gil e incluída
no documentário Pierre Fatumbi Verger, mensageiro entre dois mundos. Nestas entrevistas reafirma posições
que defendera durante toda a vida e responde pela última vez a pergunta que sempre lhe faziam, sobre se
era ou não um crente na religião da qual havia se tornado uma espécie de “mito vivo”:
“Eu gostaria de acreditar, mas sou um francês idiota e cartesiano. Sofri muito por causa disto”.
Em 11 de fevereiro de 1996, Pierre Verger, aos 94 anos, foi encontrado morto, vítimado por um
edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Fazia sua última viagem.
***
Se a vida de Pierre Verger, como foi dito, lembra a vida dos heróis míticos, deve-se acrescentar que
não é o fato de ele ter realizado façanhas que o coloca no nível dos deuses. Ao contrário, o que diviniza os
homens, ou humaniza os deuses, é a coragem de seguirem seus corações e fazerem aquilo que os torna o
que são, ainda que não saibam exatamente o que ou como. A vida de Verger nos encanta não porque ela
expressa a vitória de quem tenha lutado por alguma coisa: fama, prestígio, reconhecimento público, títulos,
cargos e riqueza. Seu fascínio vem de sua extrema capacidade de abdicar de tudo isso em prol de si mesmo,
em prol de sua liberdade de transitar pelo mundo, permitindo-se renascer a cada fase em que um novo
Verger deveria surgir. O valor de sua odisséia pessoal está, portanto, na grandeza de suas pequenas opções,
como a de viver modestamente como meio de viver completamente. A odisséia de Verger reproduz a própria
história da humanidade, o desejo em todos nós de “escapar” de nossa cultura, experimentar outras maneiras
de viver, abrir fendas nos compartimentos aos quais estamos confinados por nascimento, raça, sexo e
classe, ampliando, assim, a visão que temos dos outros a partir do modo como os transformamos em seres
de nossa própria vida e memória. Verger foi muitos e renasceu nas fotografias que revelou, nos momentos
que descreveu, nos documentos que descobriu, fixando em películas, etnografia e livros uma humanidade
que, dispersa pela distância ou no tempo, pode se reconhecer como uma unidade. Se nos encantamos diante
das 60.000 imagens fotográficas que representam apenas 60 segundos da vida de Pierre Verger, o que dizer
do que ficou retido nos olhos deste homem de 94 anos, que carregava os “olhos de Xangô” e de Ifá, o
destino?


6 A importância da utilização das imagens na pesquisa etnográfica, demonstrada por Verger, fez com que seu nome fosse escolhido para
nomear o prêmio de vídeo etnográfico instituído pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em 1996 Outra forma de
reconhecimento, desta vez popular, foi a homenagem feita pela Escola de Samba União da Ilha do Governador que o escolheu como tema
para o enredo do carnaval de 1998 intitulado “Fatumbi, Ilha de Todos os Santos”.
Bibliografia
AMARAL, Rita - Xirê!: O modo de crer e de viver do candomblé. Rio de Janeiro, Pallas, 2002.
BASTIDE, Roger & VERGER, Pierre. “Contribuição ao estudo da adivinhação em Salvador (Bahia)”. In:
MOURA, Carlos Eugênio M. (org.) Olóòrìsà. Escritos sobre a religião dos orixás, São Paulo,
Ágora, 1981., pp. 57-85.
FUNDAÇÃO PIERRE VERGER. “Bahia-Benin, os amores de Verger”. In: Informativo Fundação Pierre
Verger. Salvador, ano I, n. 1, 1989.
________. “Perfil. Algumas datas na vida de Pierre Verger”. In: Alteridades. Salvador, FFLCH-UFBA, n. 2,
1995.
LODY, Raul & BARADEL, Alex (orgs.). O olhar viajante de Pierre Fatumbi Verger. Salvador, Fundação
Pierre Verger, 2002.
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (org.) - Olóòrìsà. Escritos sobre a religião dos orixás. São Paulo,
Ágora, 1981.
________. As senhoras do pássaro da noite. Escritos sobre a religião dos orixás V. São Paulo, Axis
Mundi, EDUSP, 1994.
VERGER, Pierre. Dieux d'Afrique. Paris, Ed. Revue Noire, 1995 [1a. ed. 1954].
________. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na
Antiga Costa do Escravos, na África. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São
Paulo, EDUSP, 1999 [1a. ed. 1957]
________. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos, dos séculos XVII a XIX. Tradução de Tasso Gadzanis. São Paulo, Corrupio, 1987 [1a.
ed. 1968]
________. Retratos da Bahia, 1946 a 1952. Corrupio, Salvador, 1981a.
________. Orixás. São Paulo, Corrupio, 1981b.
________. “Bori, primeira cerimônia de iniciação ao culto dos òrisà nágô na Bahia, Brasil”. Tradução de
Carlos Eugênio Marcondes de Moura. In: MOURA, Carlos Eugênio M. (org.) Olóòrìsà. Escritos
sobre a religião dos orixás, São Paulo, Ágora, 1981c, pp. 57-85.
________. 50 anos de fotografia. Salvador, Corrupio, 1982a.
________. “Etnografia religiosa iorubá e probidade científica”. In: Religião e Sociedade, Rio de Janeiro,
Iser-Cer, n.8, 1982b.
________. “Coco be Lefó”. Bric a Brac, n. 4, Brasília, 1990.
________. “Entretien avec Emmanuel Garrigues”. In: L’Ethnographie. T. LXXXVII, n. 109,
1991a.
________. “Da Europa ao candomblé. Entrevista com Pierre Verger”. In: Revista Planeta. São
Paulo, n. 220, 1991b.
________. Le messager, the go between. Photographies 1932-1962. (Introdução de Jean
Lou Pivin & Pascal Martin Saint Leon), Paris, Editions Revue Noire, 1993.
________. “Grandeza e decadência do culto de Ìyàmi Òsòròngà (Minha Mãe Feiticeira) entre os
Yorubá” . Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. In: MOURA, Carlos Eugênio
Marcondes de (org.) As senhoras do pássaro da noite. Escritos sobre a religião dos
orixás V. São Paulo, Axis Mundi, EDUSP, 1994. pp. 13-71.
________. Ewê – O uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo, Companhia das Letras,
1995.
 
 
________. “A visão dos deuses. Entrevista de Pierre Verger a Mario Cravo Neto”. In: Folha de São Paulo,
Caderno Mais, 18/2/1996.
________ & METRAUX, Alfred – Le pied à L’Étrier. Correspondance 1946-1963. (Organizada
por Jean-Pierre Le Bouler). Paris, J. M. Place, 1993
Pierre Fatumbi Verger. Mensageiro entre dois mundos. Dir. Luis Buarque de Holanda.82
min. Rio de Janeiro. Conspiração Filmes/ Gegê Produções/ GNT/ Globosat, 1999.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Orixás na metrópole. Petrópolis, Vozes, 1995.
______. O antropólogo e sua magia. Trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas
antropológicas sobre as religiões afro-brasileiras. São Paulo, EDUSP, 2000.

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 8


insistia e deu-me este ultimatum: ‘Publica!!! Se não, nada de bolsas de pesquisas!!!’” (Verger,
1982a: 257).
Monod disponibilizou uma casa em Gorée, Dakar, para que Verger, “longe das tentações”, escrevesse
seu trabalho. Ali, durante dezoito meses de isolamento, Verger reuniu suas notas, redigindo assim seu
primeiro trabalho sistemático como etnógrafo. Numa carta a Métraux, seu melhor amigo, ele se refere a este
período de organização de uma “pilha de notas de um metro e vinte” como sendo um “calvário”. O intenso
trabalho resultou na publicação, em 1957, do número 51 das Memórias do IFAN intitulado Notas sobre o
culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na antiga Costa dos Escravos, na África.
Uma versão resumida deste trabalho, acompanhada por um conjunto de fotos, foi publicada por Paul
Hartmann, em 1954, sob o título Dieux d’Afrique.
O livro Notas sobre o culto já anunciava a ambigüidade que marcaria a produção etnográfica de
Verger e as dificuldades que enfrentaria na dupla condição de iniciado e etnógrafo. Monod, no prefácio que
escreveu ao livro, reconheceu o imenso valor do levantamento realizado por Verger, embora não se tratasse
de uma obra analítica:
“Entenda-se que P. Verger não tinha a ambição de escrever um livro sistemático e encadeado nos
moldes que se exigem dos candidatos ao doutoramento, por exemplo. Sua proposta era mais
modesta, pois pretendia unicamente uma acumulação eficaz de materiais originais e autênticos.
Cada qual no seu ofício. P. Verger é o minerador paciente, o trabalhador na pedreira, que arrancou
das entranhas da terra essa enorme quantidade de pedras. Chegará o dia em que um arquiteto, com
essas pedras, construirá um edifício. Este, porém, implica aquelas, se for verdade que é imprudente
pegar a casa pelo teto” (Monod apud Verger, 1999:12).
Na introdução a este livro, Verger faz questão de mencionar que as informações ali contidas foram
coletadas com base na confiança que adquiriu entre o povo de santo da Bahia e da África, e que esta
“confiança não fora por ele traída”. Muitos grupos religiosos, entretanto, apesar de reconhecerem a enorme
contribuição de Verger na divulgação da religião, consideraram excessivas algumas informações e fotos
publicadas neste e em outros livros de Verger, sobretudo aquelas que envolvem aspectos de sacrifícios
rituais e fórmulas de malefícios, entre outras.
Neste período, outro acaso levou Verger a estender seu trabalho de pesquisador, agora na área da
historiografia. Encontrou em Uidá uma centena de cartas de um traficante de escravos que se estabelecera
na África, vindo da Bahia. Essas cartas, datadas do século XIX, continham informações sobre o tráfico
clandestino de escravos que possibilitaram a Verger perceber as relações econômicas e culturais que a
escravidão estabelecera entre a Bahia e o Golfo do Benin, na África. O interesse que essas cartas
despertaram em Verger levou-o a recolher, ao longo de dezessete anos, outros documentos relacionados ao
tráfico de escravos. Essa farta documentação foi organizada por ele e apresentada, sob o estímulo do
historiador Fernand Braudel, como tese de doutoramento na École Pratique des Hautes Études da Sorbonne
em 1966, quando Verger tinha a idade de 64 anos. O trabalho foi publicado dois anos depois na França e, no Brasil, em 1987, com o título de Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia deTodos os Santos, dos séculos XVII a XIX. Na introdução que fez à edição brasileira, Verger revela que o que
atraiu o interesse de Braudel por seu trabalho foi justamente a “abordagem não-acadêmica” do tema. O que
pareceu a Monod uma desvantagem ou fraqueza no primeiro trabalho etnográfico de Verger, foi visto por
Braudel como virtude em Fluxo e Refluxo.
O título de doutor atribuído a Verger pela Sorbonne insere-o oficialmente no círculo acadêmico. Em
1971, aos 69 anos de idade, torna-se diretor de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique
(CNRS) de Paris, substituindo seu amigo Gilbert Rouget. Verger ingressara no CNRS três dias antes de
completar 60 anos, idade máxima para aceitação de pesquisadores nesta instituição.
Verger desempenhou importantes atividades em várias instituições acadêmicas na África e no Brasil,
sendo responsável pela criação de pelo menos dois museus: em 1978, o Museu Histórico de Uidá, instalado
num antigo forte português do Benin e, em 1982, o Museu Afro-Brasileiro, em Salvador, instalado no antigo
prédio da Faculdade de Medicina da Bahia, onde Nina Rodrigues iniciara, no século XIX, os estudos pioneiros
sobre o candomblé no Brasil. Em ambos organizou acervos representativos da cultura africana no Brasil e
brasileira na África, valorizando as semelhanças e afinidades existentes entre elas.
Em função da organização do Museu Afro-brasileiro de Salvador, iniciada em 1974, tornou-se, nesse
ano, professor-visitante da Universidade Federal da Bahia, cargo que ocupou até 1976, quando foi convidado
pela Universidade de Ifé, na Nigéria, para ser professor-visitante. De volta à Bahia, em 1980, voltou a
ocupar o cargo de professor-visitante na universidade, atribuído a ele em função de sua reconhecida
contribuição aos estudos afro-brasileiros.
Do grande público brasileiro Verger só se tornaria conhecido a partir de 1980 quando, sob a iniciativa
da editora Corrupio, suas obras começaram a ser traduzidas para o português e publicadas. Nesse ano foi
publicado Retratos da Bahia, um ensaio fotográfico com imagens de Salvador, acompanhado do primeiro
texto em que Verger narra sua experiência de encantamento pelo Brasil, desde o momento da chegada até a
adoção completa desta cidade como lugar para onde voltar. Na capa, significativamente, a foto do buraco no
sótão onde viveu exibe a moringa sem a caneca emborcada: sinal que de que ele estava “em casa”.
Em 1982, surge 50 anos de Fotografia, uma espécie de memórias de viagens que fez entre 1932 e
1982. Neste trabalho as fotos em branco e preto são intercaladas por uma narrativa sensível, que permite
entrever sua singular percepção do mundo, revivida através de imagens poéticas filtradas sob o jogo
voluntário de luz e sombra. Neste caso é significativo que os cinqüenta anos da vida que escolheu sejam
efetivamente chamados de 50 anos de fotografia, sublinhando o fato de que para ele viver e fotografar eram
sinônimos.
O primeiro livro etnográfico de Verger e, certamente, o mais famoso, foi publicado em 1981: Orixás,
deuses iorubás na África e no Novo Mundo. Este livro descreve aspectos rituais da religião dos orixás, no
Brasil e na África, como os ritos de iniciação e formas de culto aos orixás, acompanhado de fotos que
mostram as semelhanças entre os cultos nesses lugares. A forma como Verger organizou essas fotos,
colocando-as lado a lado, e destacando assim as semelhanças entre os modos de culto africano e brasileiro,
foi um dos motivos do sucesso deste livro. Em muitos casos, há uma escolha, aparentemente proposital, de
um ângulo comum ao apertar o disparador, o que cria no observador uma sensação de “série”. Orixás, por
tratar de aspectos fundamentais ao culto como mitos, ritos, arquétipos dos iniciados, imagens dos objetos,
características do panteão etc., muitos deles então esquecidos ou conhecidos apenas em certas
comunidades, forneceu os elementos para um projeto de “reorganização” dos cultos, sobretudo os litúrgicos
e de origem iorubá. Tornou-se uma espécie de cânone ou “livro sagrado”, cujo interesse, por parte de
públicos diversos, vem garantindo suas contínuas reedições.
Em 1981 também foram publicados os livros Oxóssi, o caçador e Lendas dos orixás, que juntamente
com Lendas africanas dos Orixás, de 1985, apresentaram um conjunto de narrativas míticas coletadas por
Verger na África.
Em 1995 seria a vez da publicação da obra de Verger mais aguardada pelo povo de santo. Ewê, o
uso das plantas na sociedade iorubá. Neste livro foram divulgados os resultados das pesquisas realizadas por
Verger, ao longo de mais de quarenta anos, sobre a botânica ritual iorubá. Um pequeno ensaio sobre este
tema fora publicado em 1967, com o título Awon ewê Osanyn - Yoruba Medicinal Leaves, editado pelo
Instituto de Estudos Africanos da Universidade de Ifé, na Nigéria. Considerando a reserva com que o povo de
santo aborda este assunto, parte fundamental do conhecimento tradicional do culto, transmitido oralmente
segundo os critérios de senioridade religiosa, a iniciação de Verger, como babalaô, “facilitou e oficializou”
suas pesquisas nessa área. Até mesmo porque, como ele afirma, nessa condição, obter “conhecimentos do
uso das plantas para preparação de receitas, remédios e ‘trabalhos’ tradicionais constituíram para mim não
somente um direito, mas uma obrigação” (Verger, 1995:16).
A dificuldade de acesso a particularidades do culto e o próprio processo de transmissão lenta de
conhecimentos no candomblé justificam o fato de que somente após muitas décadas de contato com as
comunidades religiosas do Brasil e da África, tendo já alcançado uma idade avançada, é que Verger tenha se
tornado uma autoridade em cultura religiosa iorubá e na influência desta no Brasil.
Se o renascimento como etnógrafo significou o momento em que Verger pôde mostrar-se ao mundo
exibindo, como numa dança do orixá, a riqueza dos conhecimentos e experiências que acumulara ao longo
de sua longa existência, ele também significou a morte lenta dos olhos do fotógrafo sob o ofício quase
tirânico da escrita. A necessidade de buscar explicações ou de organizar cartesianamente o mundo, que para
ele não necessitava desta organização, apresentou-se como um destino do qual, desta vez, como filho de Ifá,
ele preferiu não fugir.
“A partir deste momento [da redação dos primeiros trabalhos etnográficos] eu estava perdido para
a fotografia. Com efeito, fui obrigado a redigir e a tentar compreender as coisas. Minha vida, até
então, era descontraída; não procurava analisar e definir aquilo que via. Eu me abandonava às
minhas impressões e apertava o disparador de minha Rolleiflex de tempos em tempos...” (Verger,
1991a:174)
Nos últimos anos de sua vida havia comprado um pequeno sobrado, pintado de vermelho, cor de
Xangô, no morro do Corrupio, em Salvador, de onde pouco saía. Em 1988, preocupado com o destino de seu

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 7


“Saída Rica”: o nascimento do etnógrafo
Para quem não terminou os estudos intermediários e sempre demonstrou desinteresse e descrédito
pelas explicações, científicas ou não, do mundo, é compreensível que Verger jamais tenha aspirado a uma
carreira acadêmica. Mais uma vez, entretanto, Ifá, o destino, ou o IFAN, o Instituto Francês da África Negra, o coloca no mundo, desta vez o da universidade.
Este nascimento se deu contra sua vontade e em decorrência das bolsas de pesquisa que recebera
do Instituto Francês da África Negra a partir de 1949. Verger acreditava que os milhares de fotografias
tiradas em sua estada no Benin seriam suficientes para compensar o investimento da instituição em seu
trabalho. Entretanto, Théodore Monod não aceitou apenas as fotos e pressionou-o para que escrevesse as
notas de suas pesquisas, ameaçando não renovar a bolsa que possibilitaria sua permanência na África.
“Fazia aquela pesquisa para mim mesmo e para meus amigos da Bahia. A idéia de publicar seus
resultados para um público mais extenso não tinha me ocorrido. Foi Monod que me obrigou a redigir.
Havia sentido minhas reticências e tinha se queixado a um de meus amigos lhe dizendo: ‘Não foi
afinal para que Verger se convertesse ao paganismo que eu lhe obtive bolsas de estudos!!!’ Achei
bom dizer-lhe que eu não sabia grande coisa sobre a questão, que eu era um fotógrafo e não um
primitivo, que eu não tinha nenhuma formação científica nem acadêmica. Nada adiantou; Monod

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 6


O interesse brasileiro e africano pela cultura compartilhada estimularia ainda mais o trânsito de
religiosos de um lado para o outro do oceano. Verger teve, assim, um papel fundamental no processo de
valorização da África no desenvolvimento das religiões afro-brasileiras, nas quais o modelo nagô assumiu
preponderância nos meios intelectuais e acadêmicos.
A acolhida de Verger pelo candomblé, a partir dos anos 40, pode ser compreendida não apenas em
termos de sua personalidade discreta e respeitosa em relação aos segredos que lhe confiaram, mas também
por um contexto histórico de relacionamento entre o povo-de-santo e as elites brancas que deste se
aproximaram. Os cargos de prestígio que ocupou, na condição de pesquisador e branco, desde o fim do
século XIX podiam ser conferidos a simpatizantes do candomblé provenientes de grupos sociais diversos. A
atribuição destes cargos (ogãs, obás, equedes) permitiu aos terreiros estabelecerem alianças em diversos
níveis (social, político e econômico) numa época em que os cultos eram estigmatizados. Essa estratégia de
autopreservação e legitimação imporia um duplo papel aos pesquisadores, intelectuais, artistas e políticos
que, assumindo um compromisso com o grupo religioso, ver-se-iam na condição ambígua de serem também
intérpretes, porta-vozes, defensores e divulgadores da religião. Verger, entre eles, parece ter sido um dos
que melhor representaram esse papel; talvez por se recusar a participar ativamente da academia, onde não
assumiu posições teóricas sobre o que pesquisava de forma livre, coerentemente com a própria
personalidade e biografia, e por pouco se interessar sobre o porquê das coisas.

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 5

 
“Saída do nome”: O nascimento de Fatumbi
 
Verger chegou a Bahia em 5 de agosto de 1946, a bordo do vapor Comandante Capela, que fazia sua
última viagem. No barco conheceu Cid Teixeira, historiador com quem estabeleceria uma amizade que
duraria até o fim de sua vida. Sem saber falar o português, comunicava-se precariamente, por gestos. O
desembarque, pleno da alegria de seus companheiros de bordo, já prenunciava o contentamento que
marcaria a relação amorosa que se estabeleceu entre Verger e a cidade de Salvador. Mais tarde, ele diria:
“Aquele contentamento não era uma ilusão, pois, trinta e seis anos depois, ainda o sinto. O que me tocava
era, em contraste com os anos passados entre os indiferentes índios dos Andes, a cordialidade reencontrada
nas relações humanas” (Verger, 1982a: 239).
Sua primeira residência foi um pequeno quarto de hotel no centro de Salvador. Esse quarto, por sua
vista para a Baía de Todos os Santos e possibilidade de observação da vida cotidiana da cidade, recebeu de
Verger a designação de “o quarto dos meus sonhos”. Nele morou por quatro anos, antes de mudar-se para
um sótão no Caminho Novo do Taboão, ainda nas proximidades do centro. Neste sótão viveu, como sempre,
humildemente, tendo apenas uma cama e pouca mobília. Numa das paredes desse quarto fez um buraco
quadrado, por onde avistava a Cidade Baixa e no qual costumava colocar uma moringa para obter água
refrescada pelo vento. Estabeleceu com seus amigos um código para que soubessem quando estava ou não
em casa. Se avistassem no buraco uma caneca emborcada sobre a moringa, seria o sinal de que ele não
estava ali e que, portanto, não precisariam se dar o trabalho de subir a íngreme e longa escada que dava
acesso ao sótão.
Em Salvador, Verger conquistou novas e sólidas amizades que marcaram sua vida. Entre elas a de
pessoas famosas como o pintor Carybé, o escritor Jorge Amado, o cantor Dorival Caymmi, o escultor Mário
Cravo e a ialorixá Senhora, do candomblé Opô Afonjá. Mas o que realmente o seduziu foi “a presença de
numerosos descendentes de africanos e sua influência sobre a vida cotidiana deste lugar” (Verger, 1982a:
240).
Como fotógrafo da revista O Cruzeiro, Verger cobriu, nos primeiros anos de sua estada na Bahia, as
principais festas religiosas, que o impressionaram por sua beleza e riqueza. Entretanto, seu envolvimento
com o mundo do candomblé não se deu apenas por obrigação profissional, mas pela empatia que se criou
entre sua visão positiva do papel da religião e o próprio candomblé. Freqüentava com assiduidade as
cerimônias de vários terreiros. Em um deles, o Opô Afonjá, foi consagrado a Xangô por mãe Senhora, a fim
de colocar sob bom presságio a viagem que faria em seguida à África. Nessa ocasião, recebeu um colar de
contas, nas cores vermelha e branca, consagrado ao orixá do trovão. Sua convivência com o candomblé, que
lhe ensinou os primeiros passos do culto aos orixás, e esse colar, símbolo de seu pertencimento ao culto de
Xangô, foram providenciais no início de suas pesquisas na África a partir de 1948. Por conhecer os nomes
das divindades cultuadas no Brasil, o modo de saudá-las, suas representações materiais, enfim, alguns
códigos do candomblé, mesmo que superficialmente, sua inserção nos grupos africanos foi facilitada. As fotos
dos cultos brasileiros que ele levou consigo, e exibiu ali, foram outro importante passaporte para o mundo
religioso, pois atestava seu pertencimento ao culto dos orixás no Brasil e as semelhanças deste com as
práticas africanas. Verger conta que, muitas vezes, as semelhanças eram tão grandes, que desconfiavam de
que ele houvesse feito as fotos em aldeias vizinhas.
No Benin, Verger descobre que os nomes das famílias dos voduns cultuados em São Luís, no Brasil,
correspondiam, em grande parte, aos dos voduns conhecidos naquela região. Fica sabendo, também, que
alguns deles eram cultuados por membros das famílias reais do Abomé, o que indicaria a presença de
descendentes destas famílias no Brasil. Em Uidá descobre, ainda, documentos do século XIX sobre o tráfico
clandestino de escravos e o retorno de libertos do Brasil para a África. Esses ex-escravos e seus
descendentes viviam em Uidá e Lagos, em bairros onde mantinham um estilo de vida muito semelhante ao
do Brasil, desde o que diz respeito à arquitetura de suas casas até as festas que realizavam, com músicas
cantadas em português antigo. A descoberta de continuidades entre os cultos brasileiros e africanos aos orixás e voduns estimulou Verger a cruzar inúmeras vezes, nos anos seguintes, as duas margens do Atlântico. Essas viagens foram realizadas, segundo ele, não tanto para realizar pesquisas, mas pelo desejo de satisfazer a curiosidade e de responder às questões de seus amigos brasileiros. Tornou-se, assim, por vontade própria, ou por “desígnio dos orixás”, um “mensageiro”, conforme escreveu, da Bahia, ao seu amigo Métraux em 1950: “Os orixás africanos se mostram imperiosos e exigentes e me forçam a cumprir com consciência o
papel de mensageiro, a correr de terreiro em terreiro falando da África” (Verger & Métraux,
1994:108).
Sua iniciação religiosa na África parece derivar do desejo de aproximar-se das pessoas pelas quais
nutria um profundo sentimento de respeito e amizade, e do desejo de pertencer à cultura africana, se
possível apagando a diferença que o separava dela. Desejava ser negro:
“Mas teve uma vez que não me senti branco. Foi uma festa de Geledé, em plena floresta do atual
Benin. Era uma noite escura, sem lua, e o pessoal bailava ao redor de certas árvores; não tinha luz
nenhuma. Então conheci uma liberdade que não havia conhecido antes. Não era um branco entre
negros. A escuridão da floresta africana apagou a diferença” (Verger, 1990:79).
O âmago do seu processo de aproximação da cultura africana situa-se em 1953. Em Keto, Verger foi
iniciado para Ifá (orixá do destino), e tornou-se babalaô (pai do segredo). Recebeu, então, o nome de
Fatumbi (Renascido por Ifá) que o acompanharia para o resto de sua vida. Assumiu tão completamente a
nova identidade, que passou a assinar suas cartas aos amigos com esse nome e, posteriormente, seus
trabalhos etnográficos como Pierre Fatumbi Verger. Numa carta desse período a Métraux, escreveu:
“Encontrei sua carta na volta de Keto, aonde eu fui como Pierre Verger e de onde retornei como
Fatumbi, o que significa: ‘Ifá me recolocou no mundo’ [...] Rompi, deste modo, as últimas ligações
que tinha ainda com a minha família e não teria mesmo restrição mental a fazer se mais tarde me
ocorresse mentir a um profano e lhe declarar: -‘Não é verdade, eu não me chamo mais Pierre
Verger”. Sabe-se poucos detalhes da iniciação de Verger para Ifá. Em suas cartas e entrevistas, ele sempre
foi muito lacônico, demonstrando que seu compromisso com o segredo não lhe permitia revelar as minúcias
do processo. Em cartas destinadas a Alfred Métraux e Roger Bastide é possível apenas “garimpar” alguns
detalhes deste processo: que recebe o nome de Fatumbi em 28 de março de 1953, às dez horas da manhã,
em Keto; que já aprendera 256 fórmulas das pelo menos 1500 que um babalaô deve ter na memória para
interpretar os desígnios do destino através do jogo de Ifá; que se tornara importante na aldeia desde que
seu oluô (seu iniciador) lhe amarrara um bracelete em seu pulso esquerdo e que estava submetido a um
regime alimentar específico4.
A participação de Verger no mundo místico africano era perceptível por discretos sinais de
comportamento, que os iniciados identificavam. Levava, por exemplo, seu santo na mala sempre que
viajava, não permitia que a jaqueira brotasse em seu jardim, pois atraía as terríveis feiticeiras africanas que
se transformam em pássaros e mantinha um altar de Exu na porta de casa5. Mas afirmava ser um cético.
No Brasil, o reconhecimento pelos terreiros baianos da importância da inserção religiosa que a
atribuição desse nome significava, fez com que Verger recebesse outros nomes e cargos que o identificavam
como dignitário do candomblé. No Opô Afonjá foi escolhido por Xangô como Oju Obá (O olho do Rei), numa
alusão à sua condição de babalaô e de fotógrafo. Por sua importância e conhecimentos, Verger acumularia,
durante a vida, uma longa lista de nomes, títulos e cargos religiosos, recebidos tanto na África como no
Brasil: Xangowumi, Ojê Rindê, Essa Elemexô, Gbeto Windi, Otun Mongbá, Xangô Omo Orô e Ologbonhi,
entre outros.
Nesse período, Verger tornou-se o portador de todo tipo de bens, materiais e simbólicos, entre a
África e o Brasil. Para os brasileiros trazia materiais litúrgicos tidos como importantes fontes de axé (energia
vital) para o culto aos orixás (como folhas, favas, sementes, contas, insígnias), informações sobre os ritos
(fórmulas mágicas, receitas de ebós, orações, encantamentos, cantigas) e, ainda, fotografias, que
revigoraram a auto-estima e o sentimento de pertencimento dos descendentes de escravos a uma cultura
ancestral e livre. Foi portador, por exemplo, do título honorífico de Iyanassô (sacerdotisa do templo de
Xangô) conferido pelo rei de Oyó a mãe Senhora do Opô Afonjá, como reconhecimento das ligações
existentes entre eles. Dos brasileiros para os africanos, Verger levava presentes, cartas, notícias,
informações que surpreendiam os sacerdotes de lá.
“O rei de Ifan ficou tão interessado pela notícia de que se adorava na Bahia Oxalufan, seu orixá
pessoal, e de que seus sacerdotes usavam bastões de metal branco, chamados paxorôs, que me
pediu para trazer dois deles do Brasil, para ele e para o sacerdote principal de Oxalufan. O de Ejigbo
ficou feliz em saber que adoravam seu ancestral Oxaguian e que seus sacerdotes usavam uma mão
de pilão em certas circunstâncias. O Oni de Ifé foi sensível ao fato de que os nomes de seu ancestral
Odudua e de seu adversário Oxalá fossem conhecidos no Brasil [...] Alaqueto deplorou que o culto
de Oxossi tivesse sido esquecido em seu reino enquanto é tão popular no Novo Mundo” (Verger,
1982a: 258).
 
4 Ver Verger & Métraux, 1994 e Lody & Baradel, 2002 nos quais estas informações constam da correspondência de Verger .
5 Ver entrevista de Ceci a Gilberto Gil no Documentário Pierre Fatumbi Verger – Mensageiro entre dois mundos, de 1998.
 

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 4


imagens capturadas são belas não porque a fotografia as revela assim, mas porque a Beleza se expressa nos
seres de diferentes formas.
“Quando fotografo, não sou eu quem está fotografando. É alguma coisa dentro de mim que aperta o
disparador. Não sou eu quem decide. Eu não tento centrar a imagem de um jeito bonito. O momento
de clicar é algo que parece evidente através do visor. Então o clique deixa a foto em suspenso. Ela
só vai existir muito tempo depois, na câmara escura. É quando ela realmente nasce” (Verger, 1993).
Para ele, fotografar é um ato do espírito e não da razão. É um processo que não se explica e faz
aflorar dimensões do inconsciente que, diz, nem a psicanálise seria capaz de trazer à tona.
“Quando se faz uma fotografia o papel do inconsciente toma grande parte e isso não tem,
evidentemente, nada a ver com a razão. Este fato advém de [que] quando se faz uma fotografia é
freqüentemente sem saber o porquê no momento” (Verger, 1991a: 169).
Fotografar, para Verger é, ainda, uma fabricação da memória. As fotografias, em sua opinião,
produzem uma espécie de ressurreição ao oferecer um ponto de observação preciso, capaz de servir de
apoio para as cogitações sobre como as coisas aconteceram naquela forma. É significativo que, enquanto
Verger cortava mil e quinhentos milímetros da fita métrica que representavam dias de sua vida e os
espalhava pelo mundo, abandonando-se por toda parte, realizasse sessenta e duas mil fotografias ao longo
de sua vida, cada uma delas multiplicando suas ressurreições por meio da reconstrução de sua memória. E
que, tendo um dia julgado a velhice inaceitável, tenha vivido até os 93 anos de idade.
Verger faz do ato de fotografar uma forma de estar entre as pessoas, falar delas e com elas, e ao
mesmo tempo tornar-se quase invisível, para que o outro surgisse em toda a sua espontaneidade e
singularidade.
“É preciso ser antes espectador que ator; acredito que um bom fotógrafo é um voyeur sublimado. É
preciso viver com as pessoas antes de fotografá-las, para que elas estejam habituadas com sua
presença. Não é necessário procurar compreendê-las, mas senti-las, tornar-se um simples
observador” (Verger, 1991a: 167).
Fotografar e viajar permitiram, portanto, a Verger, descobrir a si mesmo e ao outro por meio da
ampliação de seu olhar, renascendo através dos múltiplos olhares que se voltaram para ele.

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 3


Em 1939, vai novamente ao México e de lá viaja ao Panamá e ao Equador. Com a eclosão da
Segunda Guerra mundial, Verger apresenta-se ao consulado francês em Quito, sendo designado para o
serviço radiotelegráfico em Dakar, em 19403. Alguns dias depois foi requisitado para o serviço fotográfico do Governo Geral da África Ocidental.
Na África encontra um velho amigo, Bernard Maupoil, que o apresenta a Théodore Monod, do
Instituto Francês da África Negra. Ainda em 1940, é desengajado e parte para a América do Sul. Passa pelo
Brasil onde, naquele momento, as condições políticas não eram favoráveis às atividades de um fotógrafo. O
Departamento de Imprensa e Propaganda do governo de Getúlio Vargas controlava e monopolizava as
informações divulgadas pela imprensa. Segue, então, para Argentina, onde trabalha como colaborador do
jornal Argentina Libre e o Mundo Argentino. Em condições de trabalho difíceis, morando em pequenos
quartos de hotel onde precariamente instalava seu laboratório fotográfico, um novo golpe do acaso permite a
Verger deixar Buenos Aires. Conhece o barão Jean de Ménil e sua esposa que, desejosos de conhecer uma
Buenos Aires diferente daquela dos circuitos aristocráticos, são levados por ele a um passeio pela boêmia da
cidade. Percebendo as dificuldades financeiras de Verger, o barão lhe envia, mais tarde, uma carta com um
cheque, o que lhe permite embarcar, em 1942, para o Peru, que ele considerava um país mais interessante,
para um fotógrafo, do que a cidade de Buenos Aires.
Em Lima consegue um emprego no Museu Nacional, durante um ano e meio, graças aos esforços de
seu diretor, Luis Valcarcel, e de Ernesto More, cujo irmão Verger conhecera em Paris. Fotografava, para o
Museu, aspectos das populações indígenas que habitavam os Andes, ruínas incas e a cultura das fiestas. Para
a realização deste trabalho morou longo período em Cuzco. Foi ali que o momento de sua “morte anunciada”
para as dezoito horas do dia 4 de novembro de 1942, passou, sem que ele se desse conta, enquanto lia,
coincidentemente, A importância de viver, de Lin Yutang.
Dificuldades políticas enfrentadas pelo Museu fizeram com que Verger perdesse seu cargo ali e
buscasse outras fontes de renda. Trabalha, então, como fotógrafo, para uma empresa de extração de
borracha, o que o obriga a embrenhar-se na floresta amazônica do Peru. Em decorrência deste trabalho foi
vitimado pela malária. Trabalha, ainda, para uma empresa mineradora, fazendo fotos de equipamentos e
instalações de minas localizadas nas montanhas. A insalubridade e seu pouco interesse pessoal por estes
trabalhos foram recompensados pelo bom pagamento, que possibilitou sua viagem ao Brasil, passando antes
pela Bolívia.
Verger entra no Brasil por Mato Grosso, de onde viaja até São Paulo. Chama sua atenção o
temperamento doce e afetuoso dos brasileiros, que ele contrasta com o das populações da América
espanhola, de onde acabara de chegar. Em São Paulo encontra Roger Bastide, então professor da
Universidade de São Paulo e que acabara de fazer uma viagem pelo nordeste descrita em Imagens do
Nordeste Místico em Branco e Preto, que o incentiva a conhecer a Bahia pela expressiva afinidade dos cultos religiosos dos negros deste lugar com a África. No Rio de Janeiro, ao levar os cumprimentos de Métraux auma amiga, Verger toma conhecimento de que ela estava escrevendo uma matéria para a revista O Cruzeiro
sobre o Peru e precisava de fotos para ilustrá-la. Essa coincidência, mais uma, permite a Verger contatar a
revista que, sabendo do seu interesse em conhecer a Bahia, contrata-o para uma série de reportagens. Este
trabalho lhe permitiu obter o visto de residência no país.
A estada de Verger na Bahia foi marcada pela sedução imediata. Estabeleceu fortes vínculos de
amizades com personalidades do meio artístico e religioso. Dali viaja para São Luís do Maranhão, onde o
culto aos voduns desperta seu interesse e curiosidade pela semelhança que julga ver com os cultos
africanos. Em seguida vai para Recife, onde conhece os maracatus e o xangô pernambucano.
Algumas fotos que fez destes rituais afro-brasileiros foram enviadas a Théodore Monod, então Diretor
do Instituto Francês da África Negra em Dakar, com a finalidade de obter mais informações sobre sua forma
africana. Monod interessa-se pelo tema e oferece-lhe, então, uma bolsa de estudos para uma pesquisa de
um ano na África. Enquanto prepara sua ida a este continente, Verger ainda acompanha seu amigo Alfred
Métraux à Guiana Holandesa e ao Haiti, onde fotografa os cultos de origem africana levados para estas
regiões pelos escravos.
Na África, Verger se dirige a Abomé, capital do Benin, onde passa vários meses colhendo
informações sobre as famílias dos voduns cultuados na região. Em 1949, com outra bolsa de estudos obtida
por Monod, Verger continua seu trabalho na África.
O interesse que o culto aos orixás desperta em Verger abre uma nova perspectiva de trabalho e
autoconhecimento que o leva atravessar o Atlântico inúmeras vezes, nas próximas três décadas de sua vida,
realizando um extenso trabalho fotográfico e de pesquisa. Torna-se cada vez mais um fotógrafo reconhecido
e faz da fotografia um modo de vida.
A vida de Verger, de fato, quando vista sob a ótica de seu trabalho fotográfico, indica um processo
em que as fotografias se tornam singulares a ponto de servirem de mediação entre ele e o outro e dele
consigo mesmo. Essa singularidade foi o que lhe permitiu viajar por todo o mundo, sem domesticar sua arte
e projetando seu nome entre os dos maiores fotógrafos do século XX, mesmo sem ter essa intenção e a
despeito de sua autodeclarada aversão ao aprimoramento técnico.
O próprio Verger, em alguns trabalhos e entrevistas, em que evitava, como sempre, explicações,
indica que a identidade de sua fotografia, se alguma houver, constrói-se sobre o seu modo de fotografar e de
pensar a fotografia como um processo independente do fotógrafo. Para Verger, fotografar parece ser um ato
em que a liberdade, inclusive a sua própria, era capturada nas paisagens e, sobretudo, nos rostos e corpos
que encontrava no caminho, e nos quais ele se projetava. Em várias fotos é possível perceber a identificação
entre fotógrafo e objeto fotografado: o flagrante de um ciclista solitário pedalando ao fundo de um primeiro
plano feito de pedras ao cair da tarde, a projeção de sua sombra ao fotografar uma janela, sua imagem
segurando a Rolleiflex refletida num espelho (Fundação Pierre Verger, 2002: 32, 10, 203).
A fotografia de Pierre Verger parece realizar-se numa espécie de transe de si mesmo incorporado no
outro, que é quem decide o momento preciso de apertar o disparador. Além disso, para ele, as belas

3 Em 1940, estando no exército, em Dakar, sem meio de comunicação com a França, Verger perde parte dos negativos de seu laboratório da rua Lourmel, que foram vendidos com outros objetos do laboratório para pagar os aluguéis atrasados. Boucher recuperou, mais tarde, uma parte destes negativos. (Verger,1982a).

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 2

“Saída de nação”: O nascimento pela fotografia e pelas viagens

Em 1932, numa de suas primeiras viagens, feita a pé por mil e quinhentos quilômetros da Córsega,
Verger aprende fotografia com seu amigo Pierre Boucher. A máquina fotográfica, uma Rolleiflex usada,
conseguida em troca de alguns objetos da família, seduziu-o pela possibilidade de registrar contrastes,
tonalidades e formas com nitidez impressionante. “Tinha-me seduzido pela extraordinária nitidez dos detalhes que sobressaíam nas fotos tiradas de tão curta distância e me permitiam valorizar o contraste do rugoso e do liso, do brilhante e do fosco, o veio da madeira, a espuma de uma onda vindo morrer na areia granulada de uma praia, as gotas de orvalho sobre um talo de erva, um canto de calçada asfaltada, alguns paralelepípedos e um bueiro, e – oh! triunfo! – um lagarto engolindo uma mosca” (Verger, 1982a: 13).
A sedução pelo detalhe e a opção pelo close como enquadramento, método que chamaria
posteriormente de “míope”, já revelavam seu desejo de distanciar-se de um olhar convencional e
tecnicamente “correto”. A escolha de objetos “não usuais” (como as formas da água, das pedras,
composições de texturas, a convivência e o equilíbrio de elementos de naturezas diferentes etc.) seria o
primeiro indício da valorização da parte sem a qual o todo não se constitui. Num segundo momento, quando
suas viagens o levam a conhecer as diferentes e exuberantes formas que a humanidade assumia nos locais
que visitava, sua sensibilidade para o diferente, o excluído, o recessivo, o singular, parece encontrar com
estes uma perfeita comunhão. A percepção do valor individual que não se perde no coletivo confirma-se na viagem realizada com um grupo de turistas para a URSS, em 1932. Essa viagem foi motivada pelo desejo de opor-se de modoradical ao mundo burguês em que fora criado. Percebe, entretanto, que as virtudes estão nos homens e não
nas ideologias, e que a cega oposição ao meio ainda o tornava um refém do mesmo. Sua personalidade
desapegada e individualista o leva a distanciar-se das questões políticas que na Europa ganhavam contornos
maniqueístas pelo alinhamento quase obrigatório entre posições de esquerda ou direita.
De volta a Paris, embarca em direção ao Taiti no cargueiro Ville de Verdun, como passageiro de
quarta classe. A escolha dessa ilha paradisíaca e, mais tarde, de outros lugares tidos como “exóticos”, é
permeada pela influência da literatura, do cinema e da pintura sobre sua imaginação. Telas de Gauguin,
novelas de Chadourne e Stendhal, filmes de Flaherty e Marnau compõem o cenário de aventura e liberdade
em busca do qual ele atravessaria os mares, conhecendo os cincos continentes.
Em 1934, de volta a Paris, entra em contato com Georges Henri Rivière, subdiretor do Museu de
Etnografia de Trocadero (atual Museu do Homem) tencionando fotografar alguns objetos da coleção deste
Museu para a edição de um livro sobre sua viagem. Por coincidência, Rivière estava organizando uma
exposição sobre a Oceania, na qual as fotos de Verger foram incluídas. Verger torna-se fotógrafo do Museu e passa a conviver com importantes etnógrafos como Marcel Griaule, Michel Leiris, Germaine Dieterlen e Alfred Métraux. Com Métraux estabeleceu uma sólida amizade; considerava-o seu “quase gêmeo”, por terem ambos nascido no em 4 de novembro. Nesse período, torna-se membro da equipe de fotógrafos do Paris-Soir que é enviada para os Estados Unidos, Japão, China e Filipinas. O trabalho como fotógrafo empregado não o satisfaz inteiramente.
Continua, entretanto, a fazer reportagens fotográficas para esse e outros periódicos com os quais
estabeleceria contatos ao longo das viagens. No tempo livre viaja de bicicleta pelo sul da França, Espanha e
Itália, sempre com sua Rolleiflex a tiracolo e pela simples ”alegria de pedalar, sob um céu azul, longe das
brumas invernais de Paris” (Verger, 1982a: 67). Viajar sozinho, de bicicleta, fotografando cenas incomuns
criava, também, alguns contratempos. Na Espanha, por exemplo, onde a revolução era iminente, ao
fotografar um muro com palavras de ordem contra o fascismo foi preso por policiais que o julgaram alemão,
por seu sotaque. Ficou dois dias na prisão, tendo sido solto por intercessão do cônsul da França, avisado
pelos amigos que Verger fez na cadeia e que saíram antes dele. Já livre, passou a se encontrar com esses
amigos, que haviam sido presos por jogatina, em bares onde bebiam e cantavam em barulhentas reuniões
noturnas que, segundo ele, por pouco não os fizeram voltar à prisão.
Em 1935, de volta a Paris, conhece, por acaso, num restaurante, o cunhado do editor Paul Hartmann
que, coincidentemente, procurava imagens da Andaluzia para um álbum sobre a Espanha, de onde Verger
acabara de chegar com muitas fotos. Este álbum, En Espagne, de 1935, foi a primeira obra editada com
fotos de Verger.
No mesmo ano, outra coincidência acontece. No restaurante Chéramy, durante um jantar com
amigos, Verger é convidado a conhecer o Sudão em troca de fotos para propaganda daquela colônia
francesa. Por iniciativa própria, e utilizando a estratégia de trocar transporte por fotografias, estende a
viagem ao Togo, Benin (ex-Daomé) e Níger. Nestas regiões, viajando de camelo e outros meios, fotografa
tuaregues e outros povos islamizados, a arte ritual das “máscaras bambara de cobre cintilante sob o sol”, a
dança dos Dogons, “tão caras a Marcel Griaule e Germaine Dieterlen” e as “cerimônias de culto aos gênios
Songhai que serviriam mais tarde de motivo para numerosos filmes de Jean Rouch” (Verger, 1982a: 82).
Essa estada, como ocorreu com muitas outras, foi pontuada por privações decorrentes de seus poucos
recursos financeiros. Quando não tinha a sorte de conseguir usar suas fotos como moeda de troca, utilizava
seu dinheiro na compra de filmes e outros materiais fotográficos, pagamento de guias, hospedagem e
alimentação. Chegou mesmo a passar fome e adoecer para não abrir mão de fotografar. Esta foi a primeira
de suas viagens entre as muitas que realizaria para a região que se tornaria, junto com o Brasil, fundamental
em sua vida e produção. Em 1936, Pierre Boucher reúne os fotógrafos Eméric Feher, René Zuber, Denise Bellon e Pierre Verger e juntos criam a agência de fotografia Alliance Photo, que se torna uma das mais importantes de Paris. Verger viaja para Londres a serviço do Paris Soir e ali estabelece contato com o Daily Mirror, que compra algumas de suas fotos e lhe oferece um contrato de trabalho que ele recusa, por temer que a fotografia, ao se tornar uma obrigação profissional, perdesse o encanto e o sentido que adquirira em sua vida. Parte para as Antilhas por conta própria, onde conhece, entre outros lugares, a Martinica, Guadalupe e depois segue para Cuba e Santo Domingo, encontrando ali dificuldades para fotografar devido à ditadura de Rafael Trujillo. Destas ilhas parte para o México, onde fotografa testemunhos do passado asteca e a vitalidade das fiestas populares. Retorna a Paris em 1938 e parte, em seguida, para a China, a fim de fazer, para a Alliance Photo, uma reportagem do conflito entre este país e o Japão. Essa viagem foi, para Verger, uma oportunidade de retornar às Filipinas. Em Manila, produziu uma famosa foto, publicada na Life Magazine, de um grupo de habitantes locais, descendentes de antigos caçadores de cabeça, que quando saíam de suas aldeias para a cidade de Baguio vestiam-se “com um chapéu e uma camisa completa e algumas vezes com um par de borzeguins de canos que iam até a metade da barriga da perna, mas, em geral, não usavam nem calções nem calças” (Verger, 1982a: 121). Em seguida, parte para a Indochina onde, na cidade imperial de Hué, fotografa o antigo imperador Bao Dai, cujo poder real fora perdido para a administração francesa. No Laos e no Camboja fotografa a influência da Índia na arquitetura dos templos, nos costumes religiosos e nas artes. Voltando a Paris, é imediatamente convocado pelo exército para servir na Lorraine, devido à iminência da eclosão da Segunda Guerra mundial. Em 27 de setembro de 1938, compra um “metro de costureira”, que na verdade tinha um metro e cinqüenta centímetros, e decide que cortará um milímetro a
cada noite, até chegar o dia de sua morte, prevista para seu aniversário de 4 de novembro de 1942.
“Espalhei aqueles milímetros em três continentes (a Europa, a África e as Américas), os oceanos
Atlântico e Pacífico, os rios afluentes do Amazonas, o lago Titicaca, o Rio de la Plata e a baia da
Guanabara”. (Verger, 1982a: 147). Livre do serviço militar, Verger vai a Roma para fotografar o Vaticano, a serviço da revista Match.

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 1


“Saída da criação ou de branco”: O nascimento na França
Nascido em 4 de novembro de 1902, em Paris, Pierre Édouard Leopold Verger foi criado com dois
irmãos mais velhos numa casa da Avenida Louis Martin. Seu pai, Léopold, era dono de uma tipografia, o que
garantia à família Verger uma boa situação econômica. Freqüentavam, portanto, os círculos sociais e
culturais (exposições, óperas, cafés, salões etc.) reservados aos membros de sua classe, uma burguesia
comercial em ascensão, que se projetava por meio de relações pessoais cuidadosamente selecionadas.
Na adolescência, enfrentou duas grandes perdas familiares: a morte de seu irmão Louis, em 1914, e
a de seu pai, no ano seguinte. Enfrentou, ainda, problemas de adequação na escola. Foi expulso por
indisciplina do Liceu Janson de Sailly, aos 15 anos, e da Escola Bréguet, aos 18, momento em que
abandonou os estudos secundários. Passou, então, a trabalhar na tipografia da família, dirigida por seus tios.
Aos vinte anos, ingressou no serviço militar no regimento de radiotelegrafia. De volta à vida civil, trabalhou
mais alguns anos na tipografia até que ela falisse.
Nos anos 20, Pierre, apesar de tentar levar uma vida semelhante à de seus companheiros de geração
e classe social – que freqüentavam festas, praticavam canoagem, mergulhavam, esquiavam, praticavam o
nudismo, corridas desenfreadas de automóvel pelos arcos da Place Vendome e esportes (seus amigos Pierre
Boucher e o violinista Maurice Baquet contam numa entrevista2, que Pierre era muito desajeitado para isto).
– sente-se desinteressado pelos valores, que considerava superficiais, do meio em que vivia. Parece perceber
que a moderna Paris, que professa a liberdade e congrega movimentos de vanguarda artística e filosófica,
prende-se ao excessivo formalismo das relações, numa classificação dos grupos inflexível e preconceituosa.
Sente-se numa situação ambígua: ao mesmo tempo em que pertence à classe social burguesa, não se sente
um deles. Não apreciava a frivolidade da etiqueta social, que impunha regras como a de selecionar amizades
considerando a profissão que alguém exercia, o dinheiro que tinha, o bairro onde morava ou a roupa que
vestia. Sentia-se um outsider, uma personalidade insatisfeita em meio a uma sociedade rigidamente pautada
pelas regras do “bom tom”.
O que impedia Pierre de abandonar este modo de vida era sua família, especialmente sua mãe, a
quem não desejava impingir a contrariedade dos comentários familiares a seu respeito. A morte de Jean, seu
irmão mais velho, em 1929, e de Marie Verger, sua mãe, em 1932, somadas à falência da tipografia da
família, desfazem os últimos laços que o prendem àquele mundo “decente-e-burguês”.
Nessa época, sozinho e sem recursos, Pierre decide suicidar-se quando completar 40 anos de idade,
por considerar a velhice inaceitável para si. Antes, entretanto, decide viver de forma plena a liberdade de ser
ele mesmo e fazer somente o que lhe parecesse “aceitável”. Numa atitude significativa, de quem percebe
que não basta nascer de alguém para ser alguém; é preciso também nascer de si para si, começa a romper
com o meio em que vive. Assim que termina o período de luto pela morte de sua mãe, abandona seus trajes
sociais, passando a andar descalço e a vestir shorts. Passa a freqüentar com alguns amigos o baile das
Antilhas (onde a gente pobre originária dessa região dançava nos fins de semana), do qual se lembraria por
toda vida como referência para o início de seu amor pela cultura africana. No mesmo período, duas
descobertas foram fundamentais para a realização de seu projeto de liberdade: o prazer da fotografia e o das
viagens.

1 No candomblé, a saída de iaô marca o final do período de recolhimento para a iniciação que significa o renascimento da pessoa em direção ao seu destino revelado por Ifá. Nesta ocasião, o iniciado é apresentado publicamente numa festa cujo desenrolar se dá em quatros momentos designados por: “saída da criação ou de branco” (quando o iaô aparece pela primeira vez como um fruto da criação de Oxalá), “saída de nação” (quando ele se reveste com as cores que identificam o seu grupo religioso), “saída do nome” (quando o orixá grita o seu nome sagrado) e “saída rica” (quando o deus dança com seus majestosos paramentos e vestes, numa apoteótica glorificação da religião, do indivíduo e do grupo). 2 Ver entrevista a Gilberto Gil no Documentário Pierre Fatumbi Verger – Mensageiro entre dois mundos, de 1998.

Fatumbi: O destino de Verger

A vida de Pierre Verger faz lembrar os mitos dos heróis, as histórias dos peregrinos, eremitas,
xamãs, santos, pessoas que abandonam o lugar de origem e o ambiente familiar para empreenderem uma
jornada pelo desconhecido, rumo ao totalmente oposto ou diferente. Sendo branco e europeu, Verger viveu
entre negros da África e do Brasil, após conhecer boa parte dos cinco continentes. Nascido em Paris, numa
família burguesa, optou por morar de forma despojada em espaços como o modesto sobradinho do morro do Corrupio em Salvador, cidade brasileira pela qual trocou a então “capital cultural” do mundo. Educado
segundo a racionalidade cartesiana, envolveu-se profundamente com a espiritualidade do candomblé,
religião de possessão e sacrifício ritual. Tendo abandonado o curso secundário, tornou-se doutor em
Etnologia pela Sorbonne.
As escolhas que fizeram da vida de Verger uma espécie de odisséia em busca da liberdade de ser -
na qual o herói mítico enfrenta desafios propostos por si mesmo ou pelas circunstâncias – não foram,
entretanto, segundo suas palavras, resultados de objetivos conscientemente perseguidos. De qualquer
modo, as histórias quando contadas a posteriori, seja em primeira ou terceira pessoa, permitem ao narrador
sublinhar momentos, rearranjar fatos e motivações e especular a respeito das inúmeras possibilidades
oferecidas pelo passado, observando, com os olhos de hoje, o ser de ontem.
Na história de Pierre Verger, os fios narrativos se multiplicam, pois sua vida foi marcada por
constantes rupturas e acontecimentos inesperados, deslocamentos de cenário e coincidências curiosas. Como
nas várias versões de um mito, as diferentes faces de sua vida – a de estudante indisciplinado, dândi
parisiense, viajante solitário, fotógrafo, babalaô, “mensageiro entre dois mundos”, etnólogo e historiador,
entre outras - parecem expressar o leitmotiv do “renascimento” contínuo. Significativamente, esse leitmotiv
é a tônica da religião na qual Verger encontrou seu porto seguro: o candomblé. Nesta religião, o
“renascimento” espiritual do indivíduo acontece através da passagem por inúmeras etapas, das as quais a
DO AFRO AO BRASILEIRO: RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E CULTURA NACIONAL - UMA ABORDAGEM EM HIPERMÍDIA, Saída de Iaô1 é exemplar. Por esta razão, optamos por apresentar a trajetória de vida de Pierre Verger por meio da alusão aos diferentes momentos deste ritual iniciático, homenageando-o, assim, com o reconhecimento de que sua vida e importância neste mundo religioso, e deste em sua vida, não se separam.

Por: Rita Amaral & Vagner Gonçalves da Silva

A LENDA DE JAGUM E SUA HISTÓRIA

Jagun Orixá Agbará Esé Egi Iroko
Segundo as lendas e itans, conta-se que Jagun, era Guerreiro dos Exércitos de Obatalá e que foi enviado às Terras de Omolú para lutar pela páz em nome de Oxalá. Por isso, ele é cultuado em algumas nações como “Qualidade de Omolú”, por ter passado vários anos em terras de Omolú.  Trata-se de um Orixá Funfun, pois o culto a Jagun nasceu no Ekiti Efon, por esse motivo Jagun é cultuado no Axé Efon como um Orixá separado de Omolú. Antes dele ter ido para as terras de Omolú já existia seu culto no Ekiti, onde era sua terra natal. Assim também conta seus itans que Jagun teve passagem não só nas terras de Omolú, mas também nas terras de Ifé (Terra de Ogun) e Elegibô (Terra de Osayan). Pela ordem do meridilogun, Jagun responde no Odú Ejionilê (oitavo Odu) Odú regido por Oxaguiã, Odú no qual também respondem outros Guerreiros Brancos como Ogun-Já e Oxaguiã Ajagunãn. Pela ordem de chegada dos odus, o culto a Jagun nasceu no Odu Okaran.
Os filhos de Jágun, tem aparência jovem, são autoritários, arrogantes, guerreiros, justiceiros, briguentos e agitados, fortes na adversidade, costumam fazer tudo à sua maneira, ouvem conselhos dos outros, mas costumam seguir sua própria vontade…São pessoas trabalhadoras, gostam de tudo rápido, exigem asseio, limpeza; são pessoas impulsivas; pessoas de espírito livre; enjoam de tudo facilmente; são dados a paixões violentas e passageiras, são curiosos, adoram viajar. Possuem grande proteção espiritual, boas amizades e, quase sempre, caminhos abertos. Possuem comportamento delicado, são honestas, dedicadas e atenciosas. Vivem com grandes esperanças, estão sempre apaixonadas, são sonhadoras, sofrem e se desdobram para ajudar e defender os amigos. Quando são repudiados ou sofrem algum tipo de traíção podem se tornar extremamente vingativas e amargas. Apesar de serem guerreiras e obstinadas, as pessoas de Jágun, às vezes se isolam preferindo ambientes calmos e tranquilos. A personalidade dos filhos de Jágun é um misto de caracteristicas de Ogun, Omolú e Oxaguiã.

Jágun, é uma palavra Yorubá, e significa: Guerreiro, Soldado.
Jagun é um Orixá ambicioso, luta para conquistar posição alta sem ver de que maneira…Apesar de ser Orixá Funfun (branco), é considerado e cultuado como Santo de Guerra, “santo quente”, carrega uma lança prateada na mão e um facão ao adaga e muitas das vezes dependendo do caminho de Jagun ele usa até um ofá nas mãos,pois conta se um itan que Oxalá o nomeia como o guerreiro de todas as armas veste-se somente de branco. Usa contas brancas rajadas de preto e dependendo da qualidade, intercalada com contas brancas, gosta também de contas feitas de buzios e marfin. Jágun é Orixá Jovem,quase chega ser um menino adolecente de Obatalá .. Ligado a Obatalá (Rei no pano branco ), tem caminhos com Ogun Já, Oxaguiã – Ajagunãn, e Ayrá. Tem caminhos também com Yemanjá e quase todas as Yabás, pois elas acalmam sua fúria.Quem traz Jágun ao barracão é Oxaguiã. Ele é considerado o “protetor” e “guardião” de Oxalufã. Carrega consigo o Odú Ejionilê. Por ser considerado Orixá Funfun (branco) não leva azeite de dendê, e sim azeite doce , banha de ori, adin e as vezes mel e de preferencia a banha de Ori, suas comidas são todas brancas, aceita pipocas feitas na areia, bolas de inhame cozido, bolas de arroz, acaçá, obí funfun (claro), come também do Ebô (canjica) de Oxalá, assim como seus bichos também devem ser todos brancos, por ser ligado ao rei do pano branco (Obatalá ). Jágun dança com outros Orixás, acompanha na dança; Ogun e principalmente Oxaguiã e Oxalufã. A dança de Jágun é extremamente guerreira, começa com movimentos lentos, dança empunhando sua lança e adaga, seu momento de “êxtase” é quando salta e se sacode todo empunhando a lança de um lado para outro, tamanha é sua fúria guerreira nessa hora. Segundo as lendas, a lança prateada de Jágun, durante as batalhas e guerras, além de ser usada para proteção contra os males e feitiçarias e abrir os caminhos, deixava seus inimigos cegos após serem feridos por ela. Jagun, assim como Ogun, é um grande caçador, e por sinal foi ele quem ensinou seu irmão Oxóssi a caçar. Ele nao deixa também de ser um guerreiro, assim é Jagun, um grande guerreiro mas também um grande caçador. E algumas de suas cantigas relatam isso.
Conta o itan de Ogi-Ogbé/Okaran que existiam três irmãos: Já, Jágun e Ajagunãn. Eram três Guerreiros que pertenciam aos exércitos de Obatalá, lutavam e venciam todas as guerras e batalhas em nome de Oxalá e eram os Guardiões deste Orixá. Eram chamados de Guerreiros Brancos, por se vestirem somente com trajes brancos em homenagem a Obatalá. Eram considerados invencíveis, por sua bravura e coragem, nunca perderam uma batalha sequer. Sempre muito unidos, nunca se separavam. Mas um belo dia, os três irmãos guerreiros, foram guerrear contra a cidade de Oxun. Oxun com a grande sabedoria dos poderes de Ya mi, foi avisada que seu reino seria atacado. Oxun ficou desesperada e foi até Ifá para saber o que faria. Orumila mandou ela fazer um ebó,  sacrificar oito Igbis à Oxalá e com o casco fizesse um pó e soprasse nas terras de Osogbo. Assim Oxun fez, quando os guerreiros chegaram para invadirem as terras, eles ficaram tontos e se perderam um do outro. Aí que Jagun foi para as terras de Omolú, Já para as terras de Ifé Ogun, e Ajagunã para as terras de Oxagyan. Mas mesmo assim, os três irmãos sempre estão juntos, respondem um pelo outro, eles continuam a ser Guerreiros Brancos, ou seja, são considerados Orixás Funfun, e sempre ligados a Obatalá, seus caminhos se cruzam…os três irmãos Guerreiros continuam nas batalhas, sempre guerreando pela Páz. Deram essa característica guerreira aos seus filhos. É por isso que o culto a Jagun foi assimilado ao de Omolú, sendo que depois disso conta o Itan que ele viveu alguns anos nas terras de Omolú e que lá encontrou uma linda mulher que também nao era das terras, mas estava lá por outros motivos, e se apaixonou por ela, tiveram filhos e se amam até hoje, e essa linda mulher era Yewá . Lá, ele se juntou com o Orixá Osayn e passou a ser um grande curandeiro, e em tempos de guerra ele cuidava dos guerreiros feridos com as porções e ervas mágicas que Osayn o ensinou. Jagun teve uma trajetória muito grande e bonita nas terras de Omolú, mas depois de anos retornou as terras do Ekiti-Efon, onde Oxun era rainha e Osagyan grande gurreiro e protetor do palácio e cidade de Oxun. Conta-se também que Jagun foi às terras de Osogbo, para destruir a cidade e buscar Oxun, pois Oxun tinha sua cidade onde era rainha Ekiti Efon, entao por ordem de Olooke ele fui buscá-la. Depois disso tudo ter acontecido, Jagun viveu anos nas terras de Omolu, Oxagyan trouxe Oxun de volta para Ekiti-Efon, por isso muitos acabaram se equivocando ao falar que foi Oxagyan quem deu as terras de Ekiti para Oxun, mas nao foi isso que aconteceu, ele apenas trouxe Oxun de volta a terra onde ela nasceu e era dona junto com Olooke seu pai. Orixá Olooke vendo o prejuizo que Jagun teve e o tempo que ficou em outras terras, por causa de seu pedido de buscar Oxun, intitulou Jagun Olu Efon (Guerreiro senhor de Efon), para retribuir o tempo que Jagun ficou afastado de sua terra que tanto amava (Ekiti – Efan). Orixá Jagun foi muito confundido com o culto à Omolu e Obaluaye, e foi por esse motivo que muitos de seus fundamentos se perderam, mas graças a Olorum e ao Axé Efón, está sendo resgatado todos os preceitos e orôs..Jagun possui caminhos próprios, como Jagun Odé, Arawe, Agaba e outros..Jagun um Orixá exclusivo do axé Efon, mas que foi migrado para as terras de Gege Mahí e Ketú….Jagun é um lindo Orixá de grande valor no Axé Efón, lembrando que o culto à Jagun no Efón (efan) é separado de Obaluaye….

LENDA DOS TRÊS GUERREIROS BRANCOS


Há muitos e muitos anos, existiam três irmãos: Já, Jagun e Ajagunan. Esses três irmãos eram bravos guerreiros e não havia batalhas que eles invariavelmente não fossem vencedores, sempre guerreando juntos.Quando entravam as cidades, eram saudados e reverenciados por todo o povo, inclusive pelos próprios reis e rainhas do lugar. Eram conhecidos como os três guerreiros brancos: "Jagunjagun Funfun", por sempre se vestirem de roupas brancas em honra ao Orixá Oxalá.

Em um tempo, houve uma guerra muito grande, entre os reinos de Oxun e um reino vizinho e os três guerreiros foram chamados para defender o último. Oxun, grande feiticeira e estrategista que era, recorreu a Ifá, para que o mesmo lhe dissesse o que era preciso para que ela saisse vencedora na guerra. Ifá então lhe confirmou que somente havendo a separação dos três guerreiros brancos, Oxun teria alguma chance de vencer e que para isso seria necessário agradar as "Iyami", que um dia também já haviam sido derrotadas pelos três e que almejavam vingança.

Oxun assim fez, preparou o feitiço e lançou sobre os três guerreiros, deixando-os sem memória. Os irmãos chegaram ao ponto de não se reconhecerem e, por terem a natureza de guerreiros, se lançaram uns contra os outros, reconhecendo nos irmãos, inimigos a serem vencidos. E, enquanto isso, o exército de Oxun pode passar livremente e vencer a batalha. Após a batalha, Oxun, retirou o feitiço e qual não foi o espantos dos três irmãos, ao verem diante de si a cidade que eles deveriam ter defendido, derrotada.

Com o orgulho ferido por terem sido derrotadas por causa de magia, decidiram que cada um devia seguir seu caminho: O guerreiro Já, foi para o reino de Ogun, Jagun, foi para o reino de Omolu e Ajagunan partiu para o reino de Oxalá."


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Fonte da Lenda: http://fotolog.terra.com.br/ofa:278

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Mina Jeje

Em 1796, foi fundado no Maranhão o culto Mina Jeje pelos negros fons vindos de Abomey, a então capital de Dahomé, como relatei anteriormente, atual República Popular de Benin.
A família real Fon trouxe consigo o culto de suas divindades ancestrais, chamados Voduns e,principalmente, o culto à Dan ou o culto da Serpente Sagrada.
Uma grande Noche ou Sacerdotisa, posteriormente, foi Mãe Andresa, última princesa de linhagem direta Fon que nasceu em 1850 e morreu em 1954, com 104 anos de vida.
Aqui, alguns nomes dos Deuses Voduns:

*Ayzan - Vodun da nata da terra *Sogbô - Vodun do trovão da família de Heviosso *Aguê - Vodun da folhagem *Loko - Vodun do tempo

Aspectos históricos
Casa das Minas é o terreiro de tambor de mina mais antigo de São Luís e localiza-se à rua São Pantaleão, 857, no bairro da Madre de Deus.“É puramente jeje” conforme Mãe Deni (Denil Prata Jardim, nascida em 02 de julho de 1925, em Rosário – Maranhão). Foi fundado em 1840 por escravizadas(os) africanas(os) procedentes de Daomé, atual República do Benin. As(Os) africanas(os) denominavam a Casa de Querebentã de Zomadonu. A fundadora do terreiro, conhecida como Maria Jesuína, era consagrada ao vodun Zomadonu, o dono da casa. Segundo as pesquisas realizadas por Pierre Verger revelaram, a Casa das Minas foi fundada pela rainha Na Agontimé, viúva do Rei Agonglô (1789-1797) e mãe do Rei Ghezo do Daomé.Em Colóquio da UNESCO, em São Luís, no ano de 1985, para discutir Sobrevivências das Tradições Religiosas na América Latina e Caribe é assinalado que:“A casa fundada no Brasil pela Rainha Agontimé, mãe do Rei Ghezo, condenada à deportação a seguir a um ajuste de contas no seio da família real, antes que seu filho ascendesse ao trono do Daomé em 1818 e lançasse uma vasta operação de busca a sua mãe. A comunidade da Casa das Minas, com base na família, continua a tradição religiosa real de Zomadonu...” (UNESCO: 1986, p.34). A Casa das Minas possui uma organização matriarcal, sendo, portanto, chefiada por mulheres. Começando pelas mães: Na Agontimé, Luísa, Hosana, Andresa Maria (uma das mães mais conhecidas da Casa das Minas, que a governou entre 1914 e 1954)e Leocádia (Vodunsi Gonjai). Depois vieram as mães: Anéris Santos, Manoca, Filomena, Amância, Amélia Vieira Pinto até chegar à Mãe Deni. Mãe Deni, nascida Denil Prata Jardim, aposentada, vodunsi de Toi Lépon, é a nona dirigente da Casa. Os voduns da Casa são agrupados em quatro famílias principais:a família Davisse do vodun Zomadonu, a família Davisse do vodun Toi Dadarro, a família Odan do vodun Dambirá, a família de Quavioçô, que têm como hóspedes voduns das famílias de Savalunu e Aladanu. Tambor de Mina é o nome dado à religião de origem africana no Maranhão. O modelo de organização dos terreiros de tambor de mina é muito influenciado pela Casa das Minas que foi tombada pelo IPHAN em 2002.








Situação atual
A Casa das Minas atravessou um período de muita instabilidade devido a falta de recursos financeiros para a sua manutenção, haja vista que durante bom tempo parte da casa que careceu de urgentes reparos no madeirame do telhado (com risco de desabamento, pois as madeiras estavam sendo atacadas por cupim); faltavam recursos para completar um cercado (uma mureta) para proteger a Árvore Sagrada (a cajazeira) e demais assentamentos no terreiro que fica no interior da casa. Contudo, mesmo com o conserto realizado com a troca de madeirame, no período de chuva, a casa de Mãe Deni, fica alagada pelas infiltrações das águas, no telhado.

O Movimento Negro Unificado - MNU realizou uma campanha financeira que se iniciou em 2004 e instou instituições com o IPHAN - Instituto do Patromônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Cultural Palmares e Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR para atenderem as demandas da Casa das Mina. Muito contribuiu para, também, sensibilizar alguns setores e pessoas a publicação de matéria sobre a casa publicada na Revista Eparrei. As modestas contribuições havidas, às quais a Casa das Minas é grata, têm contribuído em pequenos gastos, contudo, ainda não dão conta de fazer frente às necessidades da Casa das Minas diante das demandas do trabalho social que implementa.

Em 2008 o IPHAN realizou uma reforma para sanar alguns problemas.
A Casa das Minas que representa um patrimônio histórico-cultural-religioso ainda não tem merecido a atenção e o devido cuidado para sua manutenção por parte do poder público municipal e estadual, assim como do setor privado, para que sobreviva com a dignidade necessária, senão vejamos:- As continuadoras das Casa das Minas já têm bastante idade e não possuem plano de saúde que lhes dê acesso à assistência médica, já que por serem anciãs não podem estar esperando atendimento nos serviços públicos de saúde, que não vêm cumprindo a lei do atendimento preferencial que, quando procuram, passam horas e horas na fila de espera. Algumas delas estão doentes sobrevivem de suas parcas aposentadorias;- Não há um telefone público nem outro em nome da Casa;- A Casa das Minas não possui mobiliário (armários, arquivos) para acondicionar os seus documentos;- A documentação da Casa das Minas precisa ser regularizada junto aos órgãos públicos (uma necessidade para abertura de uma conta bancária em nome da Casa – um sonho de Mãe Deni);- Têm dificuldades em pagar os valores exorbitantes das contas de luz, que chegam a ser cobradas em torno de R$400,00 - como é que uma aposentada pode arcar com despesas desse porte?; Não existe um livro de registro de visitantes do local;- Não há previsão orçamentaria quer seja do Município, quer seja do Estado, para apoiar a realização do calendário de festas da Casa - que recebe milhares de pessoas nessas ocasiões;- O Estado só apoia atividadessincretizadas” como “A Festa do Divino”, deixando de lado as festas maiores de cunho religioso Jeje;- Vários mapas, prospectos, folders turísticos e listas telefônicas do Estado e do Município ignoram a existência secular da Casa das Minas, não citando-a. Por ocasião de alguma exposição, órgãos públicos utilizam-se de materiais requisitados e gentilmente cedidos pela Casa das Minas, contudo, não fornecem nenhuma reprodução do material utilizado ou registrado para que a Casa possa apresentar aos milhares de pessoas visitantes e/ou turistas nacionais e internacionais que por passam, como memória documental. Há um descaso e uma ignorância generalizada sobre o valor simbólico, social, cultural, histórico e religioso da Casa das Minas para o contexto da sociedade ludovicense, maranhense, brasileira e internacional. Para contribuir na reversão de tal situação, o Movimento Negro Unificado – MNU retoma, junto a Casa da Minas, a campanha financeira municipal, estadual, nacional e internacional, objetivando arrecadar fundos para procurar sanar os problemas de manutenção da Casa das Minas.
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Fonte das Fotos: Blog - http://mlbbt-lm-jr.blogspot.com
das Minas do Maranhão