quarta-feira, 13 de outubro de 2010

CONCEITOS DE VIDA E MORTE NO RITUAL DO AXEXÊ - 3ª PARTE

Com a morte, estes ritos são refeitos, agora com a intenção de liberar essas unidades espiritiais, de modo que cada uma deles chegue ao destino certo, restituindo-se, assim, o equilíbrio rompido com a morte.

No Brasil, nas comunidades de candomblé e demais denominações religiosas afro-brasileiras que seguem mais de perto a tradição herdada da África, a morte de um iniciado implica a realização de ritos funerários. O rito fúnebre é denominado axexê na nação queto, tambor de choro nas nações mina-jeje e mina-nagô, sirrum na nação jeje-mahim e no batuque, ntambi ou mukundu na nação angola, tendo como principais fins os seguintes:

1.desfazer o assentamento do ori, que é fixado e cultuado na cerimônia do bori, cerimônia que precede o culto do próprio orixá pessoal;

2.desfazer os vínculos com o orixá pessoal para o qual aquele homem ou mulher foi iniciado, o que significa também desfazer os vínculos com toda a comunidade do terreiro, incluindo os ascendentes (mãe e pai-de-santo), os descendentes (filhos-de-santo) e parentes-de-santo colaterais;

3.despachar o egum do morto, para que ele deixe o aiê e vá para o orum. Como cada iniciado passa por ritos e etapas iniciáticas ao longo de toda a vida, os ritos funerários serão tão mais complexos quanto mais tempo de iniciação o morto tiver, ou seja, quanto mais vínculos com o aiê tiverem que ser cortado (Santos, 1976).

Mesmo o vínculo com o orixá, divindade que faz parte do orum, representa uma ligação com o aiê, pois o assentamento do orixá é material e existe no aiê, como representação de sua existência no orum, ou mundo paralelo. Mesmo um abiã, o postulante que está começando sua vida no terreiro e que já fez o seu bori, tem laços a cortar, pois seu assento de ori precisa ser despachado, evidentemente numa cerimônia mais simples.

Em resumo, podemos dizer que a seqüência iniciática por que passa um membro do candomblé, xangô, batuque ou tambor de mina (bori, feitura de orixá, obrigações de um, três e cinco anos, decá no sétimo ano, obrigações subseqüentes a cada sete anos) representa aprofundamento e ampliação de laços religiosos, quando novas responsabilidades e prerrogativas vão se acumulando: com a mãe ou pai-de-santo, com a comunidade do terreiro, com filhos-de-santo, com o conjunto mais amplo do povo-de-santo etc.

Com a morte, tais vínculos devem ser desfeitos, liberando o espírito, o egum, das obrigações para com o mundo do aiê, inclusive a religião. O rito funerário é, pois, o desfazer de laços e compromissos e a liberação das partes espirituais que constituem a pessoa. Não é de se admirar que, simbolizando a própria ruptura que tal cerimônia representa, os objetos sagrados do morto são desfeitos, desagregados, quebrados, partidos e despachados.

O termo axexê, que designa os ritos funerários do candomblé de nação queto e outras variantes de origem iorubá e fom-iorubá, ou jeje-nagô, como são mais conhecidas, é provavelmente uma corruptela da palavra iorubá àjèjé. Em terras iorubás, por ocasião da morte de um caçador, era costume matar-se um antílope ou outra caça de quatro pés como etapa do rito fúnebre. Uma parte do animal era comida pelos parentes e amigos do morto, reunidos em festa em homenagem ao defunto, enquanto a outra parte era levada ao mato e oferecida ao espírito do falecido caçador.

Juntamente com a carne do animal, depositavam-se na mata os instrumentos de caça do morto. A este ebó dava-se o nome de àjèjé (Abraham, 1962: 38). O axexê que se realiza no candomblé brasileiro pode ser pensado como um grande ebó, com a oferenda, entre outras coisas, de carne sacrificial ao espírito do morto, e no qual se juntam seus objetos rituais.

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...... Continua

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