acervo fotográfico e etnográfico, criou a Fundação Pierre Verger, cuja sede passou a ser sua própria
residência e onde se encontram 62.000 negativos, 2.800 livros, milhares de documentos, 130 horas de
gravações e 107 objetos etnográficos, disponíveis ao público6.
Em 6 de fevereiro de 1996, Verger, aos 94 anos de idade, concedeu uma entrevista ao fotógrafo
baiano Mário Cravo Neto e no dia 10 desse mês concedeu outra, conduzida pelo cantor Gilberto Gil e incluída
no documentário Pierre Fatumbi Verger, mensageiro entre dois mundos. Nestas entrevistas reafirma posições
que defendera durante toda a vida e responde pela última vez a pergunta que sempre lhe faziam, sobre se
era ou não um crente na religião da qual havia se tornado uma espécie de “mito vivo”:
“Eu gostaria de acreditar, mas sou um francês idiota e cartesiano. Sofri muito por causa disto”.
Em 11 de fevereiro de 1996, Pierre Verger, aos 94 anos, foi encontrado morto, vítimado por um
edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Fazia sua última viagem.
***
Se a vida de Pierre Verger, como foi dito, lembra a vida dos heróis míticos, deve-se acrescentar que
não é o fato de ele ter realizado façanhas que o coloca no nível dos deuses. Ao contrário, o que diviniza os
homens, ou humaniza os deuses, é a coragem de seguirem seus corações e fazerem aquilo que os torna o
que são, ainda que não saibam exatamente o que ou como. A vida de Verger nos encanta não porque ela
expressa a vitória de quem tenha lutado por alguma coisa: fama, prestígio, reconhecimento público, títulos,
cargos e riqueza. Seu fascínio vem de sua extrema capacidade de abdicar de tudo isso em prol de si mesmo,
em prol de sua liberdade de transitar pelo mundo, permitindo-se renascer a cada fase em que um novo
Verger deveria surgir. O valor de sua odisséia pessoal está, portanto, na grandeza de suas pequenas opções,
como a de viver modestamente como meio de viver completamente. A odisséia de Verger reproduz a própria
história da humanidade, o desejo em todos nós de “escapar” de nossa cultura, experimentar outras maneiras
de viver, abrir fendas nos compartimentos aos quais estamos confinados por nascimento, raça, sexo e
classe, ampliando, assim, a visão que temos dos outros a partir do modo como os transformamos em seres
de nossa própria vida e memória. Verger foi muitos e renasceu nas fotografias que revelou, nos momentos
que descreveu, nos documentos que descobriu, fixando em películas, etnografia e livros uma humanidade
que, dispersa pela distância ou no tempo, pode se reconhecer como uma unidade. Se nos encantamos diante
das 60.000 imagens fotográficas que representam apenas 60 segundos da vida de Pierre Verger, o que dizer
do que ficou retido nos olhos deste homem de 94 anos, que carregava os “olhos de Xangô” e de Ifá, o
destino?
residência e onde se encontram 62.000 negativos, 2.800 livros, milhares de documentos, 130 horas de
gravações e 107 objetos etnográficos, disponíveis ao público6.
Em 6 de fevereiro de 1996, Verger, aos 94 anos de idade, concedeu uma entrevista ao fotógrafo
baiano Mário Cravo Neto e no dia 10 desse mês concedeu outra, conduzida pelo cantor Gilberto Gil e incluída
no documentário Pierre Fatumbi Verger, mensageiro entre dois mundos. Nestas entrevistas reafirma posições
que defendera durante toda a vida e responde pela última vez a pergunta que sempre lhe faziam, sobre se
era ou não um crente na religião da qual havia se tornado uma espécie de “mito vivo”:
“Eu gostaria de acreditar, mas sou um francês idiota e cartesiano. Sofri muito por causa disto”.
Em 11 de fevereiro de 1996, Pierre Verger, aos 94 anos, foi encontrado morto, vítimado por um
edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Fazia sua última viagem.
***
Se a vida de Pierre Verger, como foi dito, lembra a vida dos heróis míticos, deve-se acrescentar que
não é o fato de ele ter realizado façanhas que o coloca no nível dos deuses. Ao contrário, o que diviniza os
homens, ou humaniza os deuses, é a coragem de seguirem seus corações e fazerem aquilo que os torna o
que são, ainda que não saibam exatamente o que ou como. A vida de Verger nos encanta não porque ela
expressa a vitória de quem tenha lutado por alguma coisa: fama, prestígio, reconhecimento público, títulos,
cargos e riqueza. Seu fascínio vem de sua extrema capacidade de abdicar de tudo isso em prol de si mesmo,
em prol de sua liberdade de transitar pelo mundo, permitindo-se renascer a cada fase em que um novo
Verger deveria surgir. O valor de sua odisséia pessoal está, portanto, na grandeza de suas pequenas opções,
como a de viver modestamente como meio de viver completamente. A odisséia de Verger reproduz a própria
história da humanidade, o desejo em todos nós de “escapar” de nossa cultura, experimentar outras maneiras
de viver, abrir fendas nos compartimentos aos quais estamos confinados por nascimento, raça, sexo e
classe, ampliando, assim, a visão que temos dos outros a partir do modo como os transformamos em seres
de nossa própria vida e memória. Verger foi muitos e renasceu nas fotografias que revelou, nos momentos
que descreveu, nos documentos que descobriu, fixando em películas, etnografia e livros uma humanidade
que, dispersa pela distância ou no tempo, pode se reconhecer como uma unidade. Se nos encantamos diante
das 60.000 imagens fotográficas que representam apenas 60 segundos da vida de Pierre Verger, o que dizer
do que ficou retido nos olhos deste homem de 94 anos, que carregava os “olhos de Xangô” e de Ifá, o
destino?
6 A importância da utilização das imagens na pesquisa etnográfica, demonstrada por Verger, fez com que seu nome fosse escolhido para
nomear o prêmio de vídeo etnográfico instituído pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em 1996 Outra forma de
reconhecimento, desta vez popular, foi a homenagem feita pela Escola de Samba União da Ilha do Governador que o escolheu como tema
para o enredo do carnaval de 1998 intitulado “Fatumbi, Ilha de Todos os Santos”.
Bibliografia
AMARAL, Rita - Xirê!: O modo de crer e de viver do candomblé. Rio de Janeiro, Pallas, 2002.
BASTIDE, Roger & VERGER, Pierre. “Contribuição ao estudo da adivinhação em Salvador (Bahia)”. In:
MOURA, Carlos Eugênio M. (org.) Olóòrìsà. Escritos sobre a religião dos orixás, São Paulo,
Ágora, 1981., pp. 57-85.
FUNDAÇÃO PIERRE VERGER. “Bahia-Benin, os amores de Verger”. In: Informativo Fundação Pierre
Verger. Salvador, ano I, n. 1, 1989.
________. “Perfil. Algumas datas na vida de Pierre Verger”. In: Alteridades. Salvador, FFLCH-UFBA, n. 2,
1995.
LODY, Raul & BARADEL, Alex (orgs.). O olhar viajante de Pierre Fatumbi Verger. Salvador, Fundação
Pierre Verger, 2002.
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Ágora, 1981.
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Mundi, EDUSP, 1994.
VERGER, Pierre. Dieux d'Afrique. Paris, Ed. Revue Noire, 1995 [1a. ed. 1954].
________. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na
Antiga Costa do Escravos, na África. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São
Paulo, EDUSP, 1999 [1a. ed. 1957]
________. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os
Santos, dos séculos XVII a XIX. Tradução de Tasso Gadzanis. São Paulo, Corrupio, 1987 [1a.
ed. 1968]
________. Retratos da Bahia, 1946 a 1952. Corrupio, Salvador, 1981a.
________. Orixás. São Paulo, Corrupio, 1981b.
________. “Bori, primeira cerimônia de iniciação ao culto dos òrisà nágô na Bahia, Brasil”. Tradução de
Carlos Eugênio Marcondes de Moura. In: MOURA, Carlos Eugênio M. (org.) Olóòrìsà. Escritos
sobre a religião dos orixás, São Paulo, Ágora, 1981c, pp. 57-85.
________. 50 anos de fotografia. Salvador, Corrupio, 1982a.
________. “Etnografia religiosa iorubá e probidade científica”. In: Religião e Sociedade, Rio de Janeiro,
Iser-Cer, n.8, 1982b.
________. “Coco be Lefó”. Bric a Brac, n. 4, Brasília, 1990.
________. “Entretien avec Emmanuel Garrigues”. In: L’Ethnographie. T. LXXXVII, n. 109,
1991a.
________. “Da Europa ao candomblé. Entrevista com Pierre Verger”. In: Revista Planeta. São
Paulo, n. 220, 1991b.
________. Le messager, the go between. Photographies 1932-1962. (Introdução de Jean
Lou Pivin & Pascal Martin Saint Leon), Paris, Editions Revue Noire, 1993.
________. “Grandeza e decadência do culto de Ìyàmi Òsòròngà (Minha Mãe Feiticeira) entre os
Yorubá” . Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. In: MOURA, Carlos Eugênio
Marcondes de (org.) As senhoras do pássaro da noite. Escritos sobre a religião dos
orixás V. São Paulo, Axis Mundi, EDUSP, 1994. pp. 13-71.
________. Ewê – O uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo, Companhia das Letras,
1995.
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________ & METRAUX, Alfred – Le pied à L’Étrier. Correspondance 1946-1963. (Organizada
por Jean-Pierre Le Bouler). Paris, J. M. Place, 1993
Pierre Fatumbi Verger. Mensageiro entre dois mundos. Dir. Luis Buarque de Holanda.82
min. Rio de Janeiro. Conspiração Filmes/ Gegê Produções/ GNT/ Globosat, 1999.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Orixás na metrópole. Petrópolis, Vozes, 1995.
______. O antropólogo e sua magia. Trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas
antropológicas sobre as religiões afro-brasileiras. São Paulo, EDUSP, 2000.
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