sábado, 16 de outubro de 2010

Fatumbi: O destino de Verger - Continuação 9


acervo fotográfico e etnográfico, criou a Fundação Pierre Verger, cuja sede passou a ser sua própria
residência e onde se encontram 62.000 negativos, 2.800 livros, milhares de documentos, 130 horas de
gravações e 107 objetos etnográficos, disponíveis ao público6.
Em 6 de fevereiro de 1996, Verger, aos 94 anos de idade, concedeu uma entrevista ao fotógrafo
baiano Mário Cravo Neto e no dia 10 desse mês concedeu outra, conduzida pelo cantor Gilberto Gil e incluída
no documentário Pierre Fatumbi Verger, mensageiro entre dois mundos. Nestas entrevistas reafirma posições
que defendera durante toda a vida e responde pela última vez a pergunta que sempre lhe faziam, sobre se
era ou não um crente na religião da qual havia se tornado uma espécie de “mito vivo”:
“Eu gostaria de acreditar, mas sou um francês idiota e cartesiano. Sofri muito por causa disto”.
Em 11 de fevereiro de 1996, Pierre Verger, aos 94 anos, foi encontrado morto, vítimado por um
edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Fazia sua última viagem.
***
Se a vida de Pierre Verger, como foi dito, lembra a vida dos heróis míticos, deve-se acrescentar que
não é o fato de ele ter realizado façanhas que o coloca no nível dos deuses. Ao contrário, o que diviniza os
homens, ou humaniza os deuses, é a coragem de seguirem seus corações e fazerem aquilo que os torna o
que são, ainda que não saibam exatamente o que ou como. A vida de Verger nos encanta não porque ela
expressa a vitória de quem tenha lutado por alguma coisa: fama, prestígio, reconhecimento público, títulos,
cargos e riqueza. Seu fascínio vem de sua extrema capacidade de abdicar de tudo isso em prol de si mesmo,
em prol de sua liberdade de transitar pelo mundo, permitindo-se renascer a cada fase em que um novo
Verger deveria surgir. O valor de sua odisséia pessoal está, portanto, na grandeza de suas pequenas opções,
como a de viver modestamente como meio de viver completamente. A odisséia de Verger reproduz a própria
história da humanidade, o desejo em todos nós de “escapar” de nossa cultura, experimentar outras maneiras
de viver, abrir fendas nos compartimentos aos quais estamos confinados por nascimento, raça, sexo e
classe, ampliando, assim, a visão que temos dos outros a partir do modo como os transformamos em seres
de nossa própria vida e memória. Verger foi muitos e renasceu nas fotografias que revelou, nos momentos
que descreveu, nos documentos que descobriu, fixando em películas, etnografia e livros uma humanidade
que, dispersa pela distância ou no tempo, pode se reconhecer como uma unidade. Se nos encantamos diante
das 60.000 imagens fotográficas que representam apenas 60 segundos da vida de Pierre Verger, o que dizer
do que ficou retido nos olhos deste homem de 94 anos, que carregava os “olhos de Xangô” e de Ifá, o
destino?


6 A importância da utilização das imagens na pesquisa etnográfica, demonstrada por Verger, fez com que seu nome fosse escolhido para
nomear o prêmio de vídeo etnográfico instituído pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em 1996 Outra forma de
reconhecimento, desta vez popular, foi a homenagem feita pela Escola de Samba União da Ilha do Governador que o escolheu como tema
para o enredo do carnaval de 1998 intitulado “Fatumbi, Ilha de Todos os Santos”.
Bibliografia
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